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O problema de quem usa as calças

por João Miguel Tavares, em 07.04.14

Aviso por antecipação: este é um post sobre a guerra dos sexos, por isso, minhas senhoras e meus senhores, ponham o capacete.

 

Devido às minhas andanças de promoção do Manual de Sobrevivência para Pais e Maridos, tenho sido frequentemente confrontado, por quem me entrevista, com a questão (velha como o mundo) do desequilíbrio do papel do pai e da mãe dentro do ecossistema doméstico.

 

Ou seja, sim, toda a gente sabe que o pai está mais presente em casa do que antigamente e assume funções impensáveis há 30 ou 40 anos, mas não, os papéis não estão equilibrados, e a mãe continua a trabalhar muito mais dentro de portas, continuando a ser a grande "sacrificada" (um dos adjectivos favoritos das mães de família).

 

Ainda que eu não negue a existência desse desequilíbrio, faço questão de chamar a atenção para um aspecto do problema que tende demasiadas vezes a ser esquecido na discussão: o poder. O poder das mulheres dentro de casa. O poder que elas detêm sobre todos os aspectos da vida doméstica: sobre onde vamos quando saímos, sobre o que os miúdos vestem, sobre o que fazemos no fim-de-semana, sobre que empregada devemos contratar, sobre que móveis devemos comprar, sobre onde vamos passar as férias, sobre tudo e um par de botas.

 

Claro que as famílias têm todas uma identidade própria, e há sempre muitas diferenças e algumas excepções. Por exemplo, cá em casa representamos os papéis tradicionais na relação com os filhos, no sentido em que a mamã é a mais carinhosa e o papá o mais autoritário. Mas eu conheço famílias em que esses papéis estão invertidos: o pai é mais "mãe" e a mãe mais "pai". Aquilo que eu nunca encontrei, contudo, dentro do meu círculo de amigos, mesmo no mais alargado, é um família onde eu pudesse dizer: "é o homem quem manda lá em casa".

 

Mesmo em famílias onde o pai está mais presente e cuida mais dos filhos do que a própria mãe, é a mãe quem manda. Claro que há-de haver casos - há sempre casos para tudo - em que é o homem que usa as calças. Simplesmente, eu não conheço nenhum.

 

Isto não tem nada a ver, como é óbvio, com força bruta ou poder absoluto - não estou a dizer que a mulher consiga pôr o homem a rebolar e a dar a patinha. Estou apenas a dizer que a liderança doméstica da mulher é algo socialmente muito entranhado, e eu raramente vejo nelas disposição para se aliviarem desse fardo.

 

Ou seja, as mulheres querem que o seu trabalho seja mais dividido, mas não querem que as coisas passem a ser feitas de outra maneira.

 

Por exemplo, uma das expressões que mais as irrita é um homem dizer "eu ajudo muito lá em casa". Isto porque - e com razão - a expressão "ajudar" já significa uma acção subalterna, no sentido "eu faço e tu ajudas". Mas, na verdade, é mesmo de ajudar que se trata, já que quando fazemos alguma coisa raramente fazemos mais do que obedecer a ordens.

 

Daí a dificuldade em que o equilíbrio nas tarefas domésticas alguma vez seja atingido - isso implicaria, em última análise, que as mulheres cedessem no seu poder de mandar em casa. E poder é poder - dá gosto tê-lo e nunca é fácil cedê-lo. Eis o que muitas vezes é esquecido no balanço feminino da vida doméstica no século XXI.

 

E pronto, senhoras. Era isto. Podem começar a dizer mal de mim.

 

publicado às 10:12


60 comentários

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De JP a 07.04.2014 às 23:44

Cá em casa costumamos dizer que somos uma equipa. Cada um tem o seu papel, mas as coisas foram sendo definidas ao longo do tempo e o nascimento dos filhos acabou por afirmar e vincar mais o papel de cada um: ele cozinha de forma sublime; eu é mais roupas, bolo e afins. Não temos empregada doméstica e, por isso, as coisas são divididas de acordo com o bom senso e disponibilidade: está sujo, limpa-se logo, não importa quem. Basicamente, com algumas discussões pelo meio (é verdade) as coisas sempre foram rolando com bom senso. Os miúdos também já têm as suas responsabilidades: cada um faz a sua cama, eu separo a roupa para a máquina e é um deles que trata de a lá meter, limpam o pó e fazemos questão de os ter por perto quando nos dedicamos às lides domésticas. Talvez fosse mais fácil e mais rápido se eles estivessem entretidos a ver TV ou com um DVD, mas tê-los por perto é uma forma deles perceberem que as coisas não aparecem limpas e arrumadas por milagre, vêem como se faz e isso também é uma forma de aprenderem a fazer. Um dia terão a sua independência, casados, amigados ou sozinhos, e hão-de querer viver numa casa limpa, fresca, arrumada. Pelo menos, assim espero.

Quanto a mim, não sinto ter "girl power" de que o JMT fala no post. As coisas são faladas entre os dois: férias, despesas maiores, reformas na casa, etc. Mas apesar de eu não sentir, nem querer para mim esse "girl power" não posso deixar de concordar que as mulheres, de uma forma geral, querem tê-lo. Claro que se queixam que são elas que fazem tudo em casa e que são elas que tratam dos filhos, mas quando ouço com atenção, muitas vezes nem dão oportunidade ao companheiro/marido e pai das suas crias para participar e fazer a sua parte. Normalmente é porque "nunca faz nada de jeito e acabo sempre por ser eu a ter de voltar a fazer". Pois eu acho que não interessa como se faz, desde que fique feito. Não ficou exactamente como gostaríamos, paciência, para a próxima fica melhor. Se só sabe fazer daquela maneira, ou se sugere outra forma de o fazer ou aceitamos como fica. Ou é assim ou então sobra tudo para a mulher.

Sei bem que existem homens que não querem saber. É verdade! Mas não é menos importante reconhecer que existem mulheres que, além de não os deixarem participar, aproveitam para se lamentarem aos quatro ventos da vida dura que têm, porque elas não os deixam fazer nada sem lhes dizerem que não têm jeito nenhum nem para a casa nem para as fraldas, e assumem tudo isso como "O Poder" que as torna superiores a eles. Isto faz cá uma confusão na minha moleirinha...
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De Quando me encontrares a 08.04.2014 às 10:46

Exactamente como lá em casa. É sempre bom ver que não somos os únicos "freaks"...

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