Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Bom, devo confessar que não estava à espera que o meu post sobre a educação do desprazer causasse tamanha enxurrada de reacções. Já vai em mais de meia centena de comentários, e o interessante não é tanto o número quanto o conteúdo - acho que há por aí muita gente a precisar de desabafar. Assim que um maluco (neste caso, eu) se chega à frente para dizer que ser pai, durante boa parte do tempo, não tem lá assim muita piada, eis que se dá um 25 de Abril doméstico (embora a 23), e de repente toda a gente se sente livre para deitar cá para fora o que lhe vai na alma. Que bonito.
Obrigado, leitoras e leitores, por me terem feito sentir o Salgueiro Maia da paternidade recalcada. Existe, de facto, um regime opressivo que nos manda pintar de cor-de-rosa a verbalização do nosso interior sempre que falamos de filhos, porque confessar o nosso desespero ocasional ainda é tristemente sinónimo de sermos maus pais ou más mães. Isso é, obviamente, estúpido, e não foi para isso que se fez o 25 de Abril. Embora eu não seja, de todo, adepto da auto-comiseração, nem acho que devamos andar sempre por aí em choradinhos pelos cantos, tenho a profunda convicção de que o recalcamento constante de certos estados de alma interiores apenas agravam os problemas, e que temos toda a vantagem em ter a coragem de mandar cá para fora aquilo que nos consome - nem que seja no anonimato de uma caixa de um modesto blogue, como o Pais de Quatro.
Diante de algumas partilhas fiquei até com a ideia de que eu deveria fundar um MPA - Mães e Pais Anónimos -, só para o pessoal poder desabafar um bocado: "Boa noite a todos, eu sou a Virgínia e sou mãe." A coisa por vezes pode parecer um padecimento de hiper-sensibilidade, porque existe aquela tendência de olhar para a história da Humanidade e pensarmos: já cá andamos há milhares e milhares de anos, só agora é que o pessoal se pôs com mariquices? Mas, na verdade, no que diz respeito à família e à relação com os filhos, eu acredito que estamos a viver, de facto, uma revolução copernicana: os filhos deixaram de rodar em torno dos pais e os pais passaram a rodar em torno dos filhos. Isso muda tudo, como é óbvio. E causa angústia.
Esse suplemento de angústia é alimentado por duas fontes. Por um lado, o peso da responsabilidade que sentimos por causa dos miúdos, que já não são apenas um no meio de cinco, de oito ou de dez; já não servem para cavar a terra nem morrem aos magotes em tenra idade; são para nós o que o "precious, my precious" é para o Gollum do Senhor dos Anéis. Por outro lado, existe o peso das nossas próprias expectativas, um desejo individual de felicidade que é muito superior ao de há 200 anos, sobretudo a partir do momento em que o outro mundo, aquele enorme latifúndio por onde Deus passeava, foi perdendo território, e a vida terrestre foi-se tornando muito mais importante do que a vida celeste (mesmo para boa parte dos cristãos).
Ou seja, nós não queremos apenas que eles - os nossos filhos - sejam muito felizes. Nós queremos que eles sejam muito felizes sem que estejamos dispostos a abdicar da nossa felicidade. Aqui. Na Terra. E ainda bem que assim é. Mas equilibrar todos estes pratos em apenas duas mãos, e mantê-los a girar, não é para todos. O bom de partilhas como esta é o sentimento de identificação que elas provocam - as pessoas lêem e pensam: não sou só eu. Estou acompanhado. Afinal há mais. E há, claro que há. E felizmente, existe esta coisa curiosíssima que é vivermos num mundo obcecado pela originalidade e a individualidade, e depois descobrirmos um consolo imediato por não nos acharmos únicos, por nos sentirmos acompanhados no sofrimento e nas frustrações.
Já escrevi imenso e ainda não respondi a ninguém. Peço desculpa. As respostas virão. Mas isto tinha de ser dito.