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O sempre sensível tema da biologia

por João Miguel Tavares, em 29.07.14

Eu sou daqueles que se assanha um bocadinho com o uso demasiado entusiasmado da palavra "igualdade" sempre que se trata de definir as relações entre homens e mulheres. Não porque ache que homens e mulheres devam ter direitos distintos, mas porque a igualdade é, demasiadas vezes, um rolo compressor que tende a esbater todas as diferenças, a esquecer as especificidades genéticas dos sexos masculino e feminino e, em última análise, a diminuir a diversidade do mundo.

 

Nesse sentido, a febre igualitária pode, a meu ver, ser empobrecedora - e por isso sou sensível às questões biológicas e respeitador de certas predisposições genéticas. Não sou daqueles que acha que os meninos gostam mais de soldados e as meninas mais de bonecas simplesmente porque há uma sociedade opressora que define os papéis sociais de cada um.

 

Dito isto, as abordagens biológicas encerram os seus perigos - nomeadamente, os de legitimação de certos preconceitos que me parecem algo desfasados do tempo. Peguemos, por exemplo, em dois comentários do José Moreira. Um deles cita o livro O Mito da Monogamia:

 

"Os espermatozóides são baratos e facilmente repostos; os ovos são caros e difíceis de obter. Não é com surpresa, por isso, que descobrimos que os machos são geralmente muito liberais com os seus espermatozóides, ao passo que as fêmeas tendem a ser cuidadosas e exigentes quanto ao modo com dispõem dos seus ovos."

 

Continua José Moreira:

Uma análise que se aplica aos passarinhos, mas poderá também aplicar-se, com as devidas adaptações, a humanos. (...) O amor é lindo. A biologia é que não.

 

Por aqui, eu tenderia a concordar com o José Moreira (e com a biologia). Mas depois ele volta ao tema num outro comentário:

 

Uma pequena provocação estatística: as mulheres que mais vezes recusam sexo com os maridos, têm maior probabilidade de ser traídas. O sexo no casamento não deveria ser encarado como um dever, como é óbvio. Mas também é óbvio que homens e mulheres, biologicamente, têm diferenças de apetites no que diz respeito ao truca-truca: aqueles sempre com fomeca, estas nem por isso. (...)

Como pequeno incentivo para as senhoras: pensem nisso como uma contrapartida do dever de fidelidade. Bem sei que este é recíproco, mas o esforço dos gajos para o cumprir é muito maior. Enfim, é a biologia. ;)

 

Eh pá, não, José, aqui é que eu acho que nós nos separamos e a biologia vai longe demais - porque o que o José está a fazer (ainda que com uma dose assumida de provocação) é encontrar uma justificação biológica para a infidelidade masculina. Tipo: por favor, tenham pena de nós, potentes gajos, que temos mais propensão para isso do que vocês, castas mulheres.

 

No way, José. Se calhar é falta de líbido da minha parte, mas nunca achei, em nenhuma altura da minha vida, que fosse mais difícil manter-me fiel à Teresa do que a Teresa a mim. A propensão masculina para o encornanço, aos meus olhos, é simples tanga.

 

Aliás, se nos mantivermos no estrito domínio da heterossexualidade, eu tenho um argumento matemático para contrapor ao argumento biológico: supondo que as traições não se fazem a sós, um homem infiel precisa de uma mulher para cometer a infidelidade. 

 

Eu sou muito pró-biologia, mas também sou muito pró-cultura. Sou muito pró-instinto, mas também sou muito pró-cabeça. Não estamos condenados a que as partes baixas mandem nas nossas vidas.

 

 

publicado às 12:54


14 comentários

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De Maria a 15.08.2014 às 00:48

Gostei do artigo, mas acho errado o comentário relativamente a "febre igualitária". Existe uma sociedade, e por trás dela uma indústria publicitária e de consumo, que perpetua os roles masculinos y femininos. Ao olharmos os folhetos publicitários das lojas de brinquedos, percebemos como os roles estão presentes: os espanadores e as cozinhas são de cor de rosa, os livros para meninos presentam-nos como bombeiros, heróis o médicos. Neste contexto acho imprescindível a luta pela igualdade real entre homens e mulheres.
Acho também que a monogamia é uma imposição social (não genética nem limitada apenas ao sexo masculino), mas isso da para muitos mas caracteres dos disponíveis.
Peço disculpa se o meu português não se entender bem, adoro a lingua portuguesa e julgo ter um nível bom, mas ainda faço erros.
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De Susana a 01.08.2014 às 15:32

Aqui vai mais uma acha que pode ser interessante para a fogueira desta discussão: http://www.huffingtonpost.com/2014/07/28/sex-every-day-for-a-month_n_5628068.html?ncid=fcbklnkushpmg00000046&ir=Women
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De RC a 30.07.2014 às 11:54

A propósito da "biologia", acabou de sair este artigo bem interessante:
http://www.noticiasmagazine.pt/2014/homens-de-marte-mulheres-de-venus/

Todo o artigo é interessante, mas achei piada a esta frase, pois nunca tinha pensado desta forma:
«Um dos motivos mais frequentes de rotura é a traição, de que elas se apercebem com maior facilidade. Não sei se os homens traem mais, mas elas são mais perspicazes»
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De José Moreira a 29.07.2014 às 22:46

Parece-me pacífico que o nosso lado racional deve prevalecer sobre os nossos instintos, a todos os níveis. Só acho que isso nem sempre é fácil, exige esforço.

Tomamos a fidelidade como um dado adquirido, e estamos prontos para recriminar o nosso cônjuge se ele cair em tentação. Se calhar devíamos fazer o contrário: assumir que a infidelidade (ou a tendência para ela) é o mais natural. E, portanto, ser fiel é difícil, exige esforço, é um dever cujo cumprimento deveria ser digno de admiração recíproca por parte dos cônjuges: "Obrigado, querida (ou querido), por me seres fiel. Eu sei quão difícil é para ti (quer pelas pressões biológicas, quer pelas sociológicas)."

Quanto a saber para quem será mais difícil cumprir este dever, eu fico na minha, e também por razões matemáticas: quem mais apetite tem, mais dificuldade terá em resistir a comida. E se em casa não houver...



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De Mir a 30.07.2014 às 13:20

E eu que pensava que num casamento a fidelidade era uma promessa feita um ao outro durante a cerimónia e que como tal dispensava necessidade de agradecimento! E que mesmo numa relação sem casamento que era um compromisso assumido pelas duas partes.

Ter de agradecer a fidelidade é como ter de agradecer a todas as pessoas que nunca roubaram ou que nunca bateram em alguém! Ou se quisermos ficar no tópico das relações, qualquer dia os conjugues têm de agradecer um ao outro não estarem a ser agredidos! "Obrigado, querida (ou querido), por me não me bateres. Eu sei quão difícil é para ti (quer pelas pressões biológicas, quer pelas sociológicas)."

Ninguém diz que relações são fáceis Ou que às vezes a própria relação é tão má que o relacionamento extra conjugal até faz mais sentido que o casamento... Mas aí a relação é que tem de ser melhorada, ou tem de acabar ou se calhar nunca devia ter começado.

Agora receber agradecimentos por não nos deixarmos levar pelos nossos impulsos que magoam outros... a mim não faz sentido.
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De José Moreira a 30.07.2014 às 14:19

Roubar e bater são crimes. Trair o cônjuge (já) não é.

As sociedades monogâmicas são uma minoria. E mesmo nestas, os casos de infidelidade são recorrentes. Divórcios nem se fala. Há cada vez mais clubes de swing, relações "abertas", casos de poliamor, e coisas que tais.

Não estou a dizer que devemos, ou não, assumir um compromisso de fidelidade. Isso é uma decisão pessoal. Certo é que grande parte das pessoas que o assume acaba por não o cumprir. E acredito que a maior parte delas, no acto em que assume o compromisso, não está certamente de má-fé.

Se assim é, por que razão continuamos a fazer promessas de amor eterno, e a comprometer-nos a ter sexo com apenas uma pessoa para o resto das nossas vidas?

Conclusão: obrigado ao JMT por escrever sobre estes temas que convidam à reflexão (e que é muito mais importante do que o consenso).
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De Mir a 30.07.2014 às 14:40

O problema não é ser crime ou não mas o efeito que tem.

O swing , relações abertas, etc não me fazem confusão. Acho que cada um deve fazer o que lhe convém, desde que seja de mutuo acordo e não magoe ninguém (sado-maso à parte).

Agora dizer: Eu quero por isso se não me dás vou a outro... Não é a mesma coisa!
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De Carlos a 29.07.2014 às 17:13

http://en.wikipedia.org/wiki/Concealed_ovulation

Gosto especialmente da teoria que o objectivo da não-existência de cio tem como finalidade permitir o encornanço escondido por parte da mulher ao homem :P E viva a biologia!
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De Catarina a 29.07.2014 às 17:02

JMT,
Tenho seguido o blog com frequencia (tanto este como o seu mais "sério"), e antes de mais queria agradecer-lhe não só por introduzir temas interessantes de perspectivas originais, como também por se mostrar disposto a ouvir e reflectir sobre o ponto de vista contrário.
Neste tema em particular, concordo quando diz que a Biologia tem uma função, e que as diferenças estão lá e sempre lá irão estar, seja a nível de sexo, seja de idade, por exemplo.
Contudo, o José traz um argumento válido - e que não se pode descartar apenas porque nos faz comichão (e acredite que faz!). Se a Biologia tem uma função e razão de ser, então é verdade que impede que as mulheres sejam tão "livres", no sentido que lhes dá os filhos a elas a carregar - imagina-se uma mulher a ir procurar um homem para uma escapadela estando grávida? Ou com um filho pequeno em casa (ou, no caso animal, no ninho/na toca)? Por definição, as mulheres ficam ligadas aos seus rebentos. Outro exemplo, a menstruação. É uma altura (suponho) em que as mulheres não estão disponíveis para todo o tipo de aventuras (quer emocional, quer fisicamente)...
Quer isto dizer que o José tem razão e para eles é-lhes mais "fácil" trair e portante a responsabilidade está do lado dela em mantê-los satisfeitos? Parece-me que se eles têm mais oportunidades/disposições biológicas de o fazer (ou procuram-no mais...?), e teriam mais dificuldade em se controlar, elas têm as maiores dificuldades em carregar os filhos e cuidar deles (não sempre sozinhas, bem sei). Chamar-lhe-ia uma empate - ambos encontram dificuldades na vida a dois, mas claramente que saiem ambos a ganhar. Quanto ao incentivo às mulheres, José...acho muito bem que cada homem peça à sua mulher para o satisfazer na medida do que precise, já agora pelo caminho satisfazendo-a a ela também! Nada como falar e querer o bem do outro para obter o próprio.
Catarina
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De Mãe Sabichona a 29.07.2014 às 16:17

Esse argumento matemático cai por terra com a prostituição que entre géneros é claramente diferente em termos de procura.
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De Joana a 29.07.2014 às 15:29

Palminhas! Palminhas!
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De gralha a 29.07.2014 às 15:20

Não é uma questão de igualdade mas das raízes da diferença (e das consequências de se continuar a puxar dos argumentos biológicos). Veja lá o que o The Economist disse há dias sobre o assunto: http://www.economist.com/node/21609535?fsrc=scn/fb/te/pe/ed/marsandvenusquestion
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De Cris a 29.07.2014 às 15:17

E a biologia também está do seu lado João: a espécie humana não tem cio, ao contrário de muitos animais. E por isso não tem alturas propícias para acasalar. E, cientificamente (biologicamente), não há distinção entre homens e mulheres neste campo.
Parece-me que sociologia explica muito melhor que a biologia o facto de (supostamente) os "homens e mulheres, biologicamente, têm diferenças de apetites no que diz respeito ao truca-truca".
Um bom livro que aborda este assunto: A Rainha de Copas de Matt Ridley. Aconselho!
(Aproveito para vos dar os parabéns pelo blog!)

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