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Depois de basicamente ter sido intitulada mamã galinhola, hiperprotectora e obcecada em manter as grilhetas nas patas dos meus elefantezinhos para que eles não corram riscos, resolvi vir pôr ordem no galinheiro.
Quando se trata de perceber a partir de que momento uma criança deve/pode ir sozinha para a escola há muitas questões, sobejamente já discutidas aqui no PD4, a ter em conta - a responsabilidade e capacidade de "desenrascanço" da criança, que obviamente muito dependem da educação que os pais lhe deram até essa altura; as contingências físicas e económicas do núcleo familiar (se mora longe ou perto, se tem irmãos espalhados pelas escolas públicas da terra onde vive, se os pais têm horário de trabalho compatível com o da sua escola); se o trajecto até à escola coloca a criança em situação de perigo (bem diferente de correr riscos controlados); e por aí fora.
A decisão, obviamente, terá que ter em conta as necessidades da família, mas deveria focar-se acima de tudo na criança. E cada criança é uma criança, pelo que penso que não existe uma data a partir da qual todas as crianças têm obrigação de acordar mais responsáveis e independentes e passar a fazer o trajecto para a escola sozinhas. Convém falar com elas, perguntar-lhes a opinião, e garantir que elas se sentem confortáveis com este importante passo na sua vida cada vez mais autónoma e independente dos pais.
Ora, no caso concreto da nossa família, o excelentíssimo esposo e pai cá da casa resolveu decidir que a nossa Carolina estava pronta para ir para a sua escola, sozinha, a partir do primeiro dia do ano lectivo 2014/2015, indiferente à opinião que ela tivesse acerca do assunto. Pregou-lhe vários sermões sobre como era inaceitável que ele estivesse a perder 14 minutos (7 de ida e 7 de volta) da sua existência atarefada para a acompanhar num trajecto ridiculamente simples e inofensivo, e quando ela ousou murmurar que não se sentia preparada para o fazer sozinha, obviamente a culpa era da mamã-galinha da casa que insistia em não cortar o cordão umbilical e dar asas aos seus filhotes.
Para quem é frequentador do PD4, a auto-confiança da Carolina é muito bem conhecida. Ela adora ser independente e passa os dias a dizer que é uma pré-adolescente, pedindo constantemente para aceder a patamares habitualmente só acessíveis aos mais crescidos. Falta-lhe ainda muita responsabilidade mas está mais do que apta a fazer o trajecto da escola para casa com autonomia e segurança. A primeira vez que foi fazer uma pequena tarefa (comprar pão) sozinha em Lisboa tinha 5 anos (não atravessou nenhuma estrada, mas parte do trajecto não estava no raio de visão da nossa janela onde eu fiquei à espreita), e quando está nos Montes da Senhora a passar férias anda pela aldeia (que não é nada pequena) com total autonomia. Passa a vida a pedir-me para eu não sair do carro quando vou buscar a Ritinha ao infantário, ficando muito ofendida quando alguma auxiliar se mostra receosa de a deixar descer as escadas com a Rita ao colo. Adora ser crescida, ter o seu cartão de acesso ao refeitório e não precisar dos pais para a controlar na escola. É destemida e trepa em segundos aos pontos mais altos de todas as torres de cordas e redes dos parques infantis.
Mas pediu um período de adaptação até passar a ir sozinha para a sua nova escola.
A Carolina vê muitos filmes. E lê muitos livros. E fala com muitas pessoas. Ora, os livros e filmes que vê, especialmente os que o seu papá lhe mostra, além de muito interessantes e imaginativos, tratam de situações limite que a fazem (e bem) pensar na fragilidade da vida humana. Ultimamente tem-me falado repetidas vezes numa das primeiras sagas de banda desenhada que o João lhe mostrou - Buddy Longway - e que acaba com a morte cruel da personagem principal e da sua família, sem que eles tivessem feito alguma coisa de mal ou merecessem (se é que alguém merece) tão triste fim. Esta história que ela tanto adorou, ficou imersa na sua consciência e insiste em vir à superfície sempre que ela se sente insegura. Além disso, a zona onde vivemos tem sido muito vandalizada ultimamente e o nosso prédio já foi assaltado duas vezes este mês. Ora, a Carolina ouve os vizinhos falarem sobre esses acontecimentos e sobre a insegurança que sentem.
É assim tão difícil de aceitar que a Carolina se sinta ainda pouco confortável em fazer o simples trajecto de casa para a escola, sem a presença de um adulto? Será desejável obrigá-la a enfrentar os seus medos de repente quando ainda agora começou uma nova etapa da sua vida, numa nova escola, onde só conhecia uma colega, que nem sequer era da sua turma? Onde está agora o papá que me obrigou a tirar o Tomás das aulas de futebol (nas quais o Tomás me pediu para o inscrever durante 3 anos consecutivos) por causa de um simples problema de balneário? Será que o excelentíssimo papá não se reviu no filme que o seu elefantezinho estava a viver e resolveu retirá-lo daquele ambiente agressor até que ele se sentisse mais robustecido e auto-confiante?
Não tenho dúvidas que as inseguranças e ansiedades dos pais passam para as crianças e podem prejudicá-las irremediavelmente na sua aquisição de autonomia e auto-confiança. Não acho que seja benéfico para ninguém superproteger as crianças e escondê-las da sociedade numa redoma à prova da insanidade de algumas (poucas) pessoas que todos sabemos que vivem as suas vidas algures ao nosso lado. Devemos, sim, garantir que as nossas crianças aprendem a correr riscos evitando os perigos descontrolados. E isso custa, é claro. Mas faz parte do pacote da maternidade/ paternidade.
A Carolina sabe que esperaremos o tempo que for necessário para ela. Mesmo que o tempo dela não seja o nosso tempo.