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Problemas de balneário

por João Miguel Tavares, em 01.10.14

Bom, vocês não acharam que eu ia ficar completamente calado, pois não?

 

Só dois breves pontos:

 

1) Em relação à história das leituras do Buddy Longway, a Teresa não deixou um link no seu post, mas há cerca de um ano eu já falei sobre esse tema aqui. Receio bem que vá continuar a levar com ele até ao fim da vida. De cada vez que a Carolina nos desiludir, a excelentíssima esposa dir-me-á (imaginemo-nos em 2050): "Se há 36 anos tu não lhe tivesses lido o Buddy Longway, nada disto teria acontecido!"

 

2) Em relação à história do Tomás e do futebol, a Teresa esqueceu-se apenas de dizer que ele tinha seis anos na altura. Não 10. Mas como a excelentíssima esposa falou disso, eu recordei-me que em tempos tinha escrito sobre o assunto na página Os Homens Precisam de Mimo. Fui recuperar esse texto e, de facto, é incrível. Tão incrível que é quase romântico: a Teresa está a fazer de mim e eu de Teresa. Esse texto, intitulado "Problemas de balneário", foi publicado em Novembro de 2012, e acho que no contexto desta discussão vocês vão gostar de o ler:

 

A carreira futebolística do meu filho Tomás está em risco de acabar ainda antes de ter começado. Lembram-se de umas semanas atrás eu ter falado sobre o seu entusiástico ingresso nas escolas do Benfica e do convite para integrar a selecção do seu ano? Pois bem, tudo parecia estar a correr pelo melhor, eu já pensava nele como o meu Cristiano e em mim como a sua D. Dolores, a usufruir de uma vida feérica feito nababo, saltando de mansão em mansão e esgotando o dia em visitas ao cabeleireiro. Teria sido lindo, teria. Só que entretanto começaram a surgir problemas de balneário.

 

Não, não é figura de estilo – o meu filho Tomás tem literalmente um problema de balneário. Ele recusa-se a tomar banho em conjunto com os outros miúdos, e o treinador já lhe explicou que para fazer parte da selecção do Benfica é preciso ir ao balneário pelo menos uma vez por semana, conviver com os colegas, tomar duche no meio da maralha, e praticar as restantes actividades másculas que fazem parte do team building desportivo. O Tomás adora o futebol. Mas a paixão que tem pelos pontapés na bola é menor do que o medo que tem de ser gozado pelos outros miúdos por ser um bocado atado, atrapalhar-se no chuveiro e não saber fazer um nó decente com os atacadores.

 

Uma pessoa bem lhe pode explicar que o Cristiano Ronaldo não vem equipado de casa, que é no balneário que nascem e se fortalecem as equipas, que é aí que o treinador fala aos jogadores, que todos os meninos têm uma pilinha igual à sua, que ele também se despe e veste na natação sem ter problema nenhum, e patati patatá. O Tomás já tentou uma vez, por insistência da mãe, e chegou cá fora com metade da cabeça cheia de espuma, porque se esqueceu de enxaguar o cabelo. Não admira que se metam com ele.

 

A Teresa, preocupada, já tentou de tudo, desde conversas profundas a simulações no duche cá de casa. Mas não há forma de convencer o Tomás. E a certa altura os pais dividem-se. A Teresa acha que esta atitude dele é meio caminho andado para não conseguir ultrapassar as dificuldades da vida. Eu acho que ele só tem seis anos, é o mais desajeitado dos irmãos, e que é preciso dar-lhe tempo para crescer. Os balneários podem ser sítios muito cruéis, e infelizmente conheço demasiado bem os seus medos – eram os mesmos que eu tinha com a idade dele. E no entanto, cá estou. Vivo. E sem traumas.

 

O que é mais impressionante neste texto é que o Tomás, dois anos depois, já não é aquela criança, e que a Teresa decidiu fazer-se passar por mim.

 

Ou então é o senhor Freud quem explica tudo: cada um de nós projecta nos respectivos filhos os medos da sua infância.

 

Ilustração de José Carlos Fernandes

publicado às 10:45


12 comentários

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De Filomena a 03.10.2014 às 20:02

Olá!
Pois , eu também por essa fase com o meu filho, Ele agora já tem 21 anos, deixe que lhe diga...mas era incapaz de tomar duche nos balneários , em educação fisica. Passei com ele, um bom bocado por causa dos professores, mas eu mantive a minha. Meu filho nunca foi" porco" até por vezes exagera nos banhos, hihihi ! É e será da persnalidade dele , ou uma fase ! Por isso tenha , calma , é apenas uma criança, e não será por isso que deixará de ser um bom jogador desse grande clube, SLB.
Filomena.
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De Filipe a 03.10.2014 às 15:16

Que triste comparação com a Dona Dolores! O que tem a ver a mãe do Cristiano Ronaldo com esta história? O estilo de vida que a senhora vive não é da nossa conta, seja ele excêntrico ou não... Enfim, passo a citar do texto:

"... eu já pensava nele como o meu Cristiano e em mim como a sua D. Dolores, a usufruir de uma vida feérica feito nababo, saltando de mansão em mansão e esgotando o dia em visitas ao cabeleireiro."
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De GTY a 03.10.2014 às 16:33

Caríssimo, respeite as opiniões.
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De Nicole I. a 02.10.2014 às 09:52

Bem pelos textos e duas versões parece-me sim que é a teoria de Freud a falar e a empatia que temos com os nossos filhos, podemos amar todos da mesma forma, mas há sempre um que nos identificamos mais ou que em determinadas situações tendemos a simpatizar mais. Lá esta a Teresa ve na Carolina uma fase difícil de adaptação porque já passou por ela, as meninas na pré-adolescência as vezes ficam assim, eu fui uma adolescente muito medrosa, muito timida e muito alvo do gozo e vou sempre ter o coração nas mãos quando for a altura da minha filha ir para escola, porque tudo o que vivi está bem gravado na minha memória. Já o pai lembra-se de ter problemas até ao 4 ano, mas depois só se lembra de se dar bem com todos e ser o alvo de namoricos constantes e de toda as pessoas o adorarem. Ainda hoje ouço dizer na terra que ele era tipo o tipo que se estava a "cagar" para as aulas, o tipo mau que todas as mulheres se apaixonam e depois passou a fase da rebeldia, estudou entrou na faculdade e ficou um atinadinho que quando me diziam que ele no secundário baldava se as aulas e punha se a fumar e a beber minis de manhã no café, fico completamente parva a olhar para ele.

Por isso ele será o pai que diz que a filha tem mas é que se desenrascar e afins e eu serei a mãe que sabe o que é estar no grupo dos meninos não populares e afins.
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De Rute Moreira a 01.10.2014 às 20:12

Olá João

Tenho seguido com muito interesse este tema. Consigo perceber os prós e contras das argumentações e acho mesmo muito salutar, importante e, ao mesmo tempo divertido o debate. Mas neste último post houve uma coisa que me surpreendeu e não percebi: porque é que a Carolina vos desiludiu? Foi uma desilusão ela não querer ir sozinha para a escola?
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De João Miguel Tavares a 01.10.2014 às 22:49

Não, Rute, claro que não. Coitada da Carolina. Era uma piada futurista, do género: se aos 18 anos ela aparecer em casa com um copo a mais, a Teresa vai dizer que foi porque eu lhe li o Buddy Longway aos nove anos. Se calhar expliquei-me mal.
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De Conceição M. a 01.10.2014 às 15:47

Vistas as situações "de fora", no fundo, ambas as situações (a do tomás e a da Carolina) vão dar básicamente ao mesmo - é preciso aceitar e tentar perceber e compreender os receios dos cachopos, dar-lhes tempo para os irem gerindo, cabendo-nos a nós, adultos, ir ajudando a descobrir que afinal eles conseguem ultrapassar as coisas. Se calhar depois, por razões "Freudianas" temos mais empatia com alguns receios dos n/ filhos (talvez porque também passamos por eles)...
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De Maria Cruz a 01.10.2014 às 14:27

É verdade, sua última frase vem tão ao encontro de uma conversa que estava a ter ontem com uma amiga.
Eu dizia-lhe que a minha vontade constante de comprar para minha filha tudo o que eu acho bonitinho é um trauma de infância.
Não sei bem a razão, muito com certeza financeira, mas também houve um pouco de despreocupação, no bom sentido, mas minha mãe não ligava muito à roupa que eu vestia, era sempre bem básica,servia, estava limpa e confortável, mas nunca era o que eu queria, ou bonita como eu queria. Nem a roupa, nem a mochila...
Eu me lembro, aliás eu até consigo sentir como se fosse hoje, o que me custava não ter certas coisas, afectou sim minha auto-estima e tenho hoje que me controlar e perceber se vem do meu trauma, ou se é uma necessidade real quando decido comprar mais um gancho, ou outra mochila para minha filha.
O engraçado é que não é para mim, não gasto em exagero comigo, sou comedida, mas com a menina... ah... não quero que lhe falte nada- Freud explica, não é?
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De Teresa Power a 01.10.2014 às 11:18

Diz a Paula no seu comentário que os filhos são todos diferentes, e daí a nossa diferente abordagem com cada um. Eu ia um bocadinho mais longe: nós, pais, também somos diferentes do que éramos há dois, cinco ou dez anos atrás! Nunca gostei do comentário muito frequente: "Nem parece que aquelas duas crianças foram educadas pelo mesmo pai e pela mesma mãe!" Porque de facto, não foram. É que, se o nosso crescimento, as nossas discussões, os diferentes pontos de vista que vamos escutando, assimilando, afastando ou aceitando, não nos vão modificando, então que andamos nós a fazer na vida? Eu estou consciente que não estou a educar a Sara, de dois anos, da mesma forma que eduquei o Francisco, agora com quase dezasseis, ou qualquer um dos outros irmãos. Eu mudei. Para melhor, espero! E é porque quero continuar a melhorar, que humildemente vou escutando, vou lendo, vou testando - e vou tendo filhos :)
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De Ana Ferreira a 01.10.2014 às 12:13

Nao podia concordar mais com a Teresa e tambem com a Paula. Os nossos filhos não são iguais, nós não somos os mesmos e isso é a magia da vida.
E ainda mais interessante e que no seio de uma familia não temos todos as mesmas opiniões, mas mesmo assim nos esforçamos por chegar a um acordo em nome de um bem superior, o dos nossos filhos.
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De Teresa Power a 01.10.2014 às 12:36

Dos nossos filhos - e da felicidade do nosso casamento, que não depende das discussões, mas da forma como as gerimos :) - É só um acrescento a um óptimo comentário!
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De Paula Campos a 01.10.2014 às 11:03

Bom dia, João

Ando a seguir atentamente a 'saga' PD4-autonomia e, depois de reler o episódio do Tomás (sim, eu devorei o "Os Homens Precisam de Mimo" para compreender o meu marido!!!), cheguei à conclusão que vocês os dois estão em completa sintonia, isto é, a Teresa defende que a Carolina precisa de tempo e espaço para andar sozinha na rua e o João defende/defendeu que o Tomás precisa de tempo e espaço para 'não ter problemas de balneário'.

Tudo isto, simplesmente para expor o que todos sabemos: apesar de sermos o mesmo Pai e mesma Mãe, a grande chatice é que os filhos não são iguais.
Não são iguais quando lidamos com TPC's, com autonomia para andar na rua, com autonomia para balneários, com confinça e responsabilidade nas tarefas que lhes confiamos.

Acredito que o que faz de nós bons Pais é o nosso discernimento em aceitar os nossos filhos tal como eles são e adaptarmo-nos (nós) às suas (tão complexas) personalidades e tentar encaminhá-los nesta selva louca que é a vida, ou seja, educá-los.

Ser Pais é uma ciência tão, mas tão profunda, desafiante e desconhecida que é por isso que temos tantas teorias, tantas discussões e tantos pontos de vista todos díspares, todos imperfeitos, mas todos tão válidos.

Afinal, foi o que se leu aqui, ou não? ;)

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