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Os inícios de ano lectivo - e a respectiva dose cavalar de stress injectada no nosso lombo paternal - são sempre fertéis em discussões domésticas. Uma das minhas discussões favoritas das últimas semanas tem a ver com a autonomia da Carolina: eu quero que ela comece a ir sozinha para a escola, a Teresa não quer.
A Carolina tem 10 anos e está no quinto ano. Para ir para a sua nova escola não tem ultrapassar campos de minas, território controlado por jahidistas que decapitam pessoas ou lezírias apinhadas de touros bravos. Aliás, ela nem sequer tem de apanhar transportes públicos - tem, basicamente, de andar sete minutos a pé na zona das Avenidas Novas, de dia e com montes de gente à volta, incluindo crianças que vão para a mesma escola. E que, curiosamente, vão sozinhas.
Só que a Teresa declara: "A Carolina ainda não está preparada." E eu não sei porque é que a Carolina não está preparada. Olho para ela e acho-a perfeitamente capaz de se locomover em cima de duas pernas sem cair. Também posso garantir que compreende na perfeição o funcionamento dos únicos semáforos que encontra pelo caminho: bonequinho vermelho significa "parar", bonequinho verde significa "avançar". É uma coisa difícil de entender, não digo que não, mas ela já conseguiu há vários anos.
Então porque raio é que ela não está preparada? Eu diria que a Carolina está mais do que preparada. Quem está a ter manifestas dificuldades de preparação é a mãe da Carolina. E isso chateia-me, porque é evidente que a nossa filha mais velha já tem mais do que idade para ir para a escola sozinha. Aliás, se vivesse na Idade Média, até já tinha idade para casar. Não me parece mal que em 2014 ela não possa ainda casar. Mas parece-me muito mal que em 2014 não possa andar sete minutos sozinha até à escola. Hoje em dia até telemóvel os miúdos têm para avisar no caso de surgir o lobo mau.
Pode sempre acontecer alguma coisa? Pode, com certeza. Mas eu também posso estar a andar na rua e morrer com um bocado de varanda que me cai em cima da mona. Podem sempre acontecer coisas. É por isso que o verbo "acontecer" é tão popular. Só que chega uma altura em que nós não temos outro remédio se não correr esse risco - e deixá-los ganhar mais um pedaço de liberdade.
Porque o contrário disso é um excesso de protecção das crianças que não faz bem a ninguém. Veja-se, por exemplo, este artigo que saiu há uns tempos no Público sobre uma certa "cultura de segurança fóbica" que se anda a formar. O artigo chama-se "Crianças precisam de correr riscos para se desenvolverem", e deixo aqui uma frase para abrir o apetite, da autoria do pediatra Luís Januário:
"O espaço de liberdade das crianças da geração actual em relação à geração dos meus filhos mudou completamente. Contraiu-se o espaço de circulação das crianças de uma maneira incrível."
Recomendo a sua leitura sobretudo a uma certa excelentíssima esposa, cujo nome vou omitir por piedade, porque não quero estar aqui a acusar ninguém de super-mariquismo em relação aos seus filhinhos fofinhos.