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Quando é que eles podem ir sozinhos para a escola?

por João Miguel Tavares, em 23.09.14

Os inícios de ano lectivo - e a respectiva dose cavalar de stress injectada no nosso lombo paternal - são sempre fertéis em discussões domésticas. Uma das minhas discussões favoritas das últimas semanas tem a ver com a autonomia da Carolina: eu quero que ela comece a ir sozinha para a escola, a Teresa não quer.

 

A Carolina tem 10 anos e está no quinto ano. Para ir para a sua nova escola não tem ultrapassar campos de minas, território controlado por jahidistas que decapitam pessoas ou lezírias apinhadas de touros bravos. Aliás, ela nem sequer tem de apanhar transportes públicos - tem, basicamente, de andar sete minutos a pé na zona das Avenidas Novas, de dia e com montes de gente à volta, incluindo crianças que vão para a mesma escola. E que, curiosamente, vão sozinhas.

 

Só que a Teresa declara: "A Carolina ainda não está preparada." E eu não sei porque é que a Carolina não está preparada. Olho para ela e acho-a perfeitamente capaz de se locomover em cima de duas pernas sem cair. Também posso garantir que compreende na perfeição o funcionamento dos únicos semáforos que encontra pelo caminho: bonequinho vermelho significa "parar", bonequinho verde significa "avançar". É uma coisa difícil de entender, não digo que não, mas ela já conseguiu há vários anos.

 

Então porque raio é que ela não está preparada? Eu diria que a Carolina está mais do que preparada. Quem está a ter manifestas dificuldades de preparação é a mãe da Carolina. E isso chateia-me, porque é evidente que a nossa filha mais velha já tem mais do que idade para ir para a escola sozinha. Aliás, se vivesse na Idade Média, até já tinha idade para casar. Não me parece mal que em 2014 ela não possa ainda casar. Mas parece-me muito mal que em 2014 não possa andar sete minutos sozinha até à escola. Hoje em dia até telemóvel os miúdos têm para avisar no caso de surgir o lobo mau.

 

Pode sempre acontecer alguma coisa? Pode, com certeza. Mas eu também posso estar a andar na rua e morrer com um bocado de varanda que me cai em cima da mona. Podem sempre acontecer coisas. É por isso que o verbo "acontecer" é tão popular. Só que chega uma altura em que nós não temos outro remédio se não correr esse risco - e deixá-los ganhar mais um pedaço de liberdade. 

 

Porque o contrário disso é um excesso de protecção das crianças que não faz bem a ninguém. Veja-se, por exemplo, este artigo que saiu há uns tempos no Público sobre uma certa "cultura de segurança fóbica" que se anda a formar. O artigo chama-se "Crianças precisam de correr riscos para se desenvolverem", e deixo aqui uma frase para abrir o apetite, da autoria do pediatra Luís Januário:

 

"O espaço de liberdade das crianças da geração actual em relação à geração dos meus filhos mudou completamente. Contraiu-se o espaço de circulação das crianças de uma maneira incrível."

 

Recomendo a sua leitura sobretudo a uma certa excelentíssima esposa, cujo nome vou omitir por piedade, porque não quero estar aqui a acusar ninguém de super-mariquismo em relação aos seus filhinhos fofinhos.

 

publicado às 11:04


58 comentários

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De na primeira pessoa do singular a 26.09.2014 às 10:46

As minhas filhas andaram ( 1 ainda anda) na mesma escola primária do que eu. Eu ia e vinha a pé para casa da minha mãe, a mesma casa que as recebe quando a escola acaba e eu ainda não cheguei para as ir buscar. Eu ia com um bando de garotos da mesma idade, cerca de 10 minutos a pé, pela borda da estrada por onde mal passavam carros, por carreiros e ruas enlameadas, que ainda nem pavimento tinham. Ora isso nunca aconteceu com elas, apesar da estrada agora ter passeio de um dos lados. E um transito horrível. E cães que saiem ao caminho. E eu tenho pânico de cães, tendo-lhes transmitido esse pânico integralmente, para grande tristeza do pai.
Elas têm 9 e 11 anos. A mais velha já apanha o autocarro que sai da C+S e vem até à paragem que fica junto a casa da avó: um autocarro que só transporta alunos, àquela hora.
Só há pouco tempo puderam ficar sozinhas em casa, isto é, eu vou ao supermercado do fim da rua, elas ficam lá, e eu aviso o vizinho do lado que vou ali e já venho. Ele faz o mesmo.
Podem ir à catequese sozinhas, a sala é mesmo ali a 200m de casa, e sozinhas quer dizer as duas e mais um ou outro vizinho, mas não vão. Porquê? Cães, mais uma vez!
A escola da mais velha é a 500m do meu escritório, sempre na estrada principal, com passeios e passadeiras, à vista de toda a gente, um percurso pacífico, apesar do grande movimento de trânsito. Já veio ter comigo uma vez no fim das aulas, com uma amiga. Não voltou a fazê-lo. Porquê? Cães a correr atrás dela.
Outro dia autorizei que fosse mais umas amigas mais velhas dar um passeio na praia. Adivinhem o que aconteceu no regresso...Um cão.

Eu e o marido a tentarmos deixar que abra as asas, e cães a dificultarem-me a coisa!!!
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De Pedro a 16.09.2016 às 17:36

A senhora é um exemplo tipico da influencia que os pais têm nas limitaçōes dos filhos. Hoje tem, n só em termos de cäes como no resto, melhores condiçōes de segurança, mas tem ainda mais medo e está a limitar os seus filhos com o seu medo ilógico
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De leonor a 20.01.2017 às 17:11

Não sei o porquê de tantas pessoas terem um "pavorzinho" aos cães,animais perfeitamente normais e que por acaso também são queridos. Os cães em si, podem, por vezes, ser demasiado compulsivos mas isso é apenas uma característica deles, como a sua característica. Com o máximo do respeito, não entendo o porque de ter a necessidade de passar essa sensação às suas filhas, ainda muito novas para lhes colocarem ideias na cabeça. Elas têm de entender, por si, os seus medos e ambições. E quem sabe? Talvez uma das suas ambições fosse cuidar de animais, como cães. Por isso, antes de fazer qualquer alteração na vida e nos pensamentos das suas filhas, pense bem e reflita sobre o assunto, pois os cães são tão humanos, ou mais!, que nós.

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