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Escreveram duas leitoras na caixa de comentários, a propósito do meu post anterior:
João, peço desculpa mas este assunto deveria ter ficado na esfera privada. Se fosse a sua esposa não gostaria de ler este post. Como mãe de um adolescente de 17 anos, digo-lhe que, ainda hoje, fico à espera do sms a dizer que já chegou a casa...
Isto disse a Isis. A MP defendeu uma posição muito semelhante:
A Teresa sabe que escreveu este post? Se ela estava muito reticente com esta ideia, agora não sei se será mesmo contra. Então vem dizer para um blog público, com fotografias dos seus filhos, que um deles pode passar a ir/vir sozinho da escola, e ainda dá a localização aproximada?
Ora bem. Faço notar que no meu post anterior eu remetia para um texto onde um pediatra português denunciava aquilo a que chamou a "cultura de segurança fóbica". Donde, embora as preocupações da Isis e da MP sejam perfeitamente legítimas e compreensíveis, elas vêm de encontro precisamente àquilo que eu criticava no meu texto de ontem.
É muito natural que a Teresa não tenha gostado do que escrevi, no sentido em que eu acho que ela também partilha um bocadinho dessa fobia securitária, e estamos todos a precisar de trabalhar cá em casa as questões da autonomia e da independência. No artigo do Público referido acima, Helena Sacadura, da Associação Portuguesa de Segurança Infantil (APSI), diz algo com que também concordo muito:
"A APSI anda há 21 anos a chamar a atenção para o facto de não podermos pôr as crianças dentro de redomas. Uma criança que não corre riscos não aprende os riscos que pode correr [mais tarde]. Hoje, temos crianças superprotegidas na área do brincar, não têm autonomia e não são responsáveis. São analfabetos do corpo."
São analfabetos do corpo quando andamos a correr atrás deles nos parques infantis, e são analfabetos do corpo e da mente, na minha opinião, quando não os deixamos andar sozinhos ao lado de casa aos 10 anos de idade.
Eu ando a picar a Teresa a ver se ela vem dizer de sua justiça aqui para o blogue. O PD4 tem apenas um décimo da graça que pode ter quando sou só eu a escrever posts. O PD4 nasceu como um projecto a dois, e não tem graça ser só eu a amamentar a criança. Este filho é claramente desprezado em relação aos outros quatro. De qualquer forma - e antecipando a sua intervenção -, a excelentíssima esposa dirá que é a nossa filha mais velha que ainda não se acha preparada para dar esse passo de ir sozinha. Eu acho que somos nós que não estamos a fazer o suficiente para a preparar.
Mas deixem-me dizer só mais uma coisa em relação à "vida privada" e ao facto de eu não dever estar a contar isto num blogue. Este blogue nasceu por várias razões, e uma das principais - digamos que está no top 3 das razões decisivas - tem a ver com um combate, chamem-lhe missionário, se quiserem, contra o desaparecimento das crianças - e, por arrasto, da família - do espaço público. Não gosto de viver num mundo de crianças com caras pixelizadas, a não ser por razões óbvias (se foram abusadas, por exemplo). Esse desaparecimento faz parte de uma mesma cultura securitária que, paradoxalmente, empurra os mais pequenos para a sombra na civilização de todos os holofotes.
A Teresa não partilha totalmente desta minha opinião, e portanto eu acabo por ter algum cuidado com a exposição dos nossos filhos. Mas recuso-me - e recuso-me mesmo, apesar dos medos que todos temos, e eu também - a esconder os filhos só porque apareço na televisão, escrevo nos jornais, e alguém pode querer fazer-lhes mal por eu ser mais de direita do que de esquerda. Como dizem os americanos, "shit happens", mas eu não vou viver a minha vida atemorizado por isso.
Eu não sou diferente dos outros pais: da primeira vez que a Carolina for para a escola sozinha também vou querer receber um sms quando ela chegar à porta. Mas não deixo que os meus medos se sobreponham à convicção - que quaisquer estatísticas demonstram com facilidade - de que vivo num mundo muito mais seguro do que há 100 anos, ainda por cima sendo eu um optimista que acredita que 98% das pessoas é gente decente, que tenta agir correctamente no dia-a-dia - e que estaria pronta a ajudar os meus filhos se eles precisassem, mesmo não os conhecendo.
Eu sou jornalista. Eu vejo as notícias. Eu fui editor da secção de Sociedade do Diário de Notícias durante boa parte do caso Maddie McCann. Mas o impacto destes casos é proporcional à sua raridade. Estatisticamente, a minha filha mais velha corre mais perigo de vida quando se enfia no carro comigo para ir para Portalegre do que quando vai sozinha a pé para a escola.
Os nossos filhos têm medo do escuro. Nós temos medo que qualquer coisa de terrível aconteça aos nossos filhos. Acham mesmo que só os medos deles é que são irracionais?