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Quando é que eles podem ir sozinhos para a escola? #2

por João Miguel Tavares, em 24.09.14

Escreveram duas leitoras na caixa de comentários, a propósito do meu post anterior:

 

João, peço desculpa mas este assunto deveria ter ficado na esfera privada. Se fosse a sua esposa não gostaria de ler este post. Como mãe de um adolescente de 17 anos, digo-lhe que, ainda hoje, fico à espera do sms a dizer que já chegou a casa...

 

Isto disse a Isis. A MP defendeu uma posição muito semelhante:

 

A Teresa sabe que escreveu este post? Se ela estava muito reticente com esta ideia, agora não sei se será mesmo contra. Então vem dizer para um blog público, com fotografias dos seus filhos, que um deles pode passar a ir/vir sozinho da escola, e ainda dá a localização aproximada?

 

Ora bem. Faço notar que no meu post anterior eu remetia para um texto onde um pediatra português denunciava aquilo a que chamou a "cultura de segurança fóbica". Donde, embora as preocupações da Isis e da MP sejam perfeitamente legítimas e compreensíveis, elas vêm de encontro precisamente àquilo que eu criticava no meu texto de ontem.

 

É muito natural que a Teresa não tenha gostado do que escrevi, no sentido em que eu acho que ela também partilha um bocadinho dessa fobia securitária, e estamos todos a precisar de trabalhar cá em casa as questões da autonomia e da independência. No artigo do Público referido acima, Helena Sacadura, da Associação Portuguesa de Segurança Infantil (APSI), diz algo com que também concordo muito:

 

"A APSI anda há 21 anos a chamar a atenção para o facto de não podermos pôr as crianças dentro de redomas. Uma criança que não corre riscos não aprende os riscos que pode correr [mais tarde]. Hoje, temos crianças superprotegidas na área do brincar, não têm autonomia e não são responsáveis. São analfabetos do corpo."

 

São analfabetos do corpo quando andamos a correr atrás deles nos parques infantis, e são analfabetos do corpo e da mente, na minha opinião, quando não os deixamos andar sozinhos ao lado de casa aos 10 anos de idade.

 

Eu ando a picar a Teresa a ver se ela vem dizer de sua justiça aqui para o blogue. O PD4 tem apenas um décimo da graça que pode ter quando sou só eu a escrever posts. O PD4 nasceu como um projecto a dois, e não tem graça ser só eu a amamentar a criança. Este filho é claramente desprezado em relação aos outros quatro. De qualquer forma - e antecipando a sua intervenção -, a excelentíssima esposa dirá que é a nossa filha mais velha que ainda não se acha preparada para dar esse passo de ir sozinha. Eu acho que somos nós que não estamos a fazer o suficiente para a preparar.

 

Mas deixem-me dizer só mais uma coisa em relação à "vida privada" e ao facto de eu não dever estar a contar isto num blogue. Este blogue nasceu por várias razões, e uma das principais - digamos que está no top 3 das razões decisivas - tem a ver com um combate, chamem-lhe missionário, se quiserem, contra o desaparecimento das crianças - e, por arrasto, da família - do espaço público. Não gosto de viver num mundo de crianças com caras pixelizadas, a não ser por razões óbvias (se foram abusadas, por exemplo). Esse desaparecimento faz parte de uma mesma cultura securitária que, paradoxalmente, empurra os mais pequenos para a sombra na civilização de todos os holofotes.

 

A Teresa não partilha totalmente desta minha opinião, e portanto eu acabo por ter algum cuidado com a exposição dos nossos filhos. Mas recuso-me - e recuso-me mesmo, apesar dos medos que todos temos, e eu também - a esconder os filhos só porque apareço na televisão, escrevo nos jornais, e alguém pode querer fazer-lhes mal por eu ser mais de direita do que de esquerda. Como dizem os americanos, "shit happens", mas eu não vou viver a minha vida atemorizado por isso.

 

Eu não sou diferente dos outros pais: da primeira vez que a Carolina for para a escola sozinha também vou querer receber um sms quando ela chegar à porta. Mas não deixo que os meus medos se sobreponham à convicção - que quaisquer estatísticas demonstram com facilidade - de que vivo num mundo muito mais seguro do que há 100 anos, ainda por cima sendo eu um optimista que acredita que 98% das pessoas é gente decente, que tenta agir correctamente no dia-a-dia - e que estaria pronta a ajudar os meus filhos se eles precisassem, mesmo não os conhecendo.

 

Eu sou jornalista. Eu vejo as notícias. Eu fui editor da secção de Sociedade do Diário de Notícias durante boa parte do caso Maddie McCann. Mas o impacto destes casos é proporcional à sua raridade. Estatisticamente, a minha filha mais velha corre mais perigo de vida quando se enfia no carro comigo para ir para Portalegre do que quando vai sozinha a pé para a escola.

 

Os nossos filhos têm medo do escuro. Nós temos medo que qualquer coisa de terrível aconteça aos nossos filhos. Acham mesmo que só os medos deles é que são irracionais? 

 

publicado às 09:53


54 comentários

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De Marta a 26.09.2014 às 09:33

Concordo inteiramente consigo e confesso-me uma mae extremamente protectora.
Trabalho com criancas em perigo e vejo coisas terriveis diariamente, pelo que posso reafirmar que, na grande maioria, os maiores perigos para a crianca estao dentro de quatro paredes.
Os riscos, esses fazem parte da vida e as criancas devem aprender a lidar com eles. Para que isso seja possivel, os pais devem primeiro aceitar que Os ditos riscos nao irao terminar necessariamente em tragedia.
Eu ainda me encontro em fase de auto-investimento para que seja capaz de nao impor os meus proprios medos irracionais aos meus filhos.
Fica o desejo e a vontade de me continuar a melhorar como mae e de aprender a deixar os meus filhos voar.
Acho que ainda nao cheguei la totalmente mas acredito que, aos poucos, conseguirei, se nao ultrapassar, pelo menos lidar com estes medos ditos (e muito bem) irracionais.
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De Anónimo a 25.09.2014 às 12:59

Quanto a tudo isto o que já se disse, só posso comentar com o seguinte: actualmente, numa Universidade, são os pais que vêm inscrever os filhos, são os pais que vêm colocar questões para os filhos acerca dos programas de mobilidade/Erasmus, são os pais que tratam de tudo... Será por preocupação? Talvez! Mas estes jovens (que se embebedam, são sexualmente activos, adultos e autónomos (nalgumas situações)) são extremamente mimados, nalguns casos tocando quase a falta de educação, presunçosos e autoritários. Será isto que se pretende? Até quando o protectorado parental terminará? Começam a surgir os primeiros casos de jovens adultos autoritários e que só sabem pedir e mandar e pouco fazer; temo que o futuro nos trará muitos destes adultos que agora são incansavelmente protegidos pelos pais...
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De Anónimo a 25.09.2014 às 08:46

Quando estudava e, antes de ir para uma Escola Pública, andava num Externato exterior onde tinha a "Telescola" (aulas através da TV).
Mesmo que não tivesse a disciplina "x" ou "y" naquele dia, tínhamos que levar todos os dias para as aulas tudo o que se referisse às disciplinas.
Era eu que levava a minha mochila. Não era o meu Pai nem a minha Mãe. E naquele tempo nem se sonhava com mochila todas "catitas" com rodinhas e coisas assim....

Ah, e naquele tempo ( e não tem nada a ver com o tema), quando um adulto entrava na sala de aula (professor ou encarregado de educação) todos nos levantávamos das cadeiras por uma questão de educação. Agora????? Querem lá saber....
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De isabel prata a 25.09.2014 às 10:19

Não é porque se fazia antigamente que é bom. Não é porque as crianças ficam cansadas se levarem a mochila, não é mimo. Os ortopedistas (que é quem sabe dessas coisas) alertam que o peso da mochila não deve ultrapassar 10% do peso da criança, sob pena de causar danos no esqueleto da mesma. Para uma criança de 10 anos corresponde a uma mochila com pouco mais de 3 kg. O meu filho de 10 anos carrega bem mais do que isso, o que me preocupa e o que faz que sempre que possível eu lhe leve a mochila. No colégio onde ele anda os meninos podem dispor de cacifos para guardar os livros, mas porque as crianças são por definição desorganizadas isso nem sempre funciona bem
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De Marisa Santos a 25.09.2014 às 13:20

Cara Isabel, tem toda a razão quanto aos malefícios do peso transportado. Mas é precisamente por isso que já existem há mais de uma década mochilas/trolley...

Do meu ponto de vista, a questão do peso da mochila é só uma desculpa que os pais encontram para justificar a sua intervenção a esse nível.

Mas pergunto-me: quem sou eu para julgar o que fazem os outros?! Se os pais querem carregar com as mochilas dos filhos isso é lá com eles. Apenas não partilho do seu ponto de vista e sei que não o farei.
Longe de mim querer ensinar os outros a educar os seus filhos...
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De Helena a 24.09.2014 às 22:49

Que boas discussões aqui se geram! Bem hajam, João e Teresa
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De Susana Marques a 24.09.2014 às 22:01

Concordo em 100% com o que o João defende!
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De Mário Cordeiro a 24.09.2014 às 21:05

João
Como pediatra, pai de crianças de 11 e 12 anos que vão sozinhas para a escola, e como fundador da APSI, acho que tem toda a razão. Aliás, já que refere o caso Maddie, só houve um, mas foi repetido "ad nauseum" de modo a parecer que todos os dias desapareciam dezenas de crianças no Algarve... e resta a saber o que realmente aconteceu, ou se o "o pecado não morava afinal ao lado". Ainda com esta claustrofobia em que colocamos as crianças (nós em relação a elas, entenda-se), não se esqueçam, leitores do PD4, que 95% dos abusos sexuais de menores são cometidos por familiares e conhecidos da criança... leram bem. 95%.
E também estou de acordo com o Luís Januário, meu colega e amigo, que uma coisa é correr riscos de forma controlada, outra é estar em situações de perigo. Risco é probabilidade de acontecer alguma coisa. Perigo é uma situação que, por si, tem tudo para acabar mal. Uma diferença que pode parecer meramente semântica, mas que é fundamental neste contexto.
Claro que é preciso ensinar as crianças, mostrar-lhe os caminhos melhores, debater com eles e rever os riscos e perigos, no fundo, gastar tempo nessa missão que é educar e ensinar/aprender. Não sou adepto do "antigamente" - se não, não tinha dedicado 30 anos da minha vida à prevenção de acidentes e promoção da segurança infantil... - mas o excesso de protecção dá uma falsa sensação de segurança. para lá disso, como alguém bem comenta, os pais mais restritivos esquecem-se depois de coisas como a segurança rodoviária e outras coisas assim.
Não há situação mais letal que a vida... mas tem de ser vivida sob pena de morrermos, quando mais não seja, de tédio e espartilhos...
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De Anónimo a 25.09.2014 às 09:22

E está tudo dito!
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De Fátima Mendes a 26.09.2014 às 09:26

Concordo plenamente...

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De Mena a 24.09.2014 às 17:36

"a minha filha mais velha corre mais perigo de vida quando se enfia no carro comigo para ir para Portalegre do que quando vai sozinha a pé para a escola"
Grande verdade, e está tudo dito.
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De Teresa a 24.09.2014 às 15:18

APLAUDO DE PÉ O SEU COMENTÁRIO!!!!Ao ler alguns comentários fico estarrecida!! Estamos a criar uma geração de "atados"", crianças de 12,13 anos não vão de autocarro com um monitor, porque vão pessoas estranhas????????????? Nem quero imaginar o que farão quando tiverem liberdade!!!! E tirando caso ou outro, as maiores violações e abusos são na família e através das redes sociais!! Redes sociais, onde essas crianças estão em contacto não com os "estranhos do autocarro", mas com estranhos do mundo inteiro!! (mas aí não há problema , estão sossegadinhos no quarto!!) Eu com 10 anos morava em Moscavide e ia todos os dias para a Marquesa de Alorna!!
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De Mara a 24.09.2014 às 15:03

Mais uma vez concordo inteiramente, e gostava de acrescentar uma coisa. A paranóia securitária não tem nada de racional e tem muito pouco a ver com as crianças.

Quando questionados sobre porque é que não dão maior autonomia aos filhos, boa parte dos pais que conheço fala de perigos quase inexistentes (como a mania dos raptos que, estatisticamente, não tem fundamento). Mas, a maior parte das vezes, falam mesmo é de si próprios "EU não aguento não saber dele", "é uma angústia muito grande para MIM", " fico com o coração nas mãos", etc, etc. Isto é imaturo e egoísta. Ponto. Uma coisa é proteger os miúdos de perigos reais: estradas muito movimentadas, percursos longos por zonas isoladas, miúdos especialmente distraídos ou irresponsáveis (cada caso é um caso e depende da situação). Outra coisa é adiar um passo no crescimento dos garotos que sabemos importante para o seu desenvolvimento equilibrado, porque nós não queremos ou não conseguimos lidar com a perda de controlo que necessariamente decorre de deixarmos os nossos filhos ir para o mundo. Cresçam! Ser pai e mãe é isso mesmo, ter sempre o coração fora da corpo. Os pais que deixam, ponderadamente, uma criança de 10 anos ir sozinha para a escola também gostam dela, também se preocupam. Só não põem os seus sentimentos à frente do que, racionalmente, sabem ser melhor para ela.
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De Anónimo a 24.09.2014 às 14:51

Ai coitadinho do meu "menino" ou da minha "menina".....
Não, não....sou eu que a vai levar à Escola.....e a Escola fica ali já a 5 minutos a pé.
Os outros Pais não sabem nada!!! Então o que é isso de deixar os filhos irem a pé para a Escola!!!
Sou eu que lhe levo a mochila e a lancheira para o meu "menino" para ir mais descansadinho.....e, quando regressa das aulas, também. Não vá ele/ela estar muito cansado das atividades e não ter forças para carregar a mochila e a lancheira.
Ai, ai, ai......
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De Sofia a 24.09.2014 às 15:41

Qual é o mal de os pais levarem as mochilas e lancheiras dos miúdos? Com tanta notícia a cada início de aulas sobre o peso excessivo das mochilas, não me choca que os pais queiram poupar os filhos o mais possível a isso.

E apesar de concordar com o JMT nesta questão, admito que o peso das mochilas é uma das grandes desvantagens de deixarem os miúdos irem sozinhos para a escola. Mais do que a questão da segurança.
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De Marisa Santos a 24.09.2014 às 16:47

Desculpe discordar, não considero o peso da mochila nenhuma desvantagem / desculpa para levar o filho de carro para a escola.
No meu tempo (e eu só tenho 28 anos) também tinha 9 disciplinas e levava todo o material necessário para as mesmas para a escola e não era por isso que precisava que os meus pais fossem carregar com as minhas coisas...

O facto de carregar a minha mochilinha a pé para a escola fazia com que tivesse de ser criteriosa com o material a levar. Se naquele dia não ia ter português, não levava o caderno de Português e por aí fora...
Isto para não falar que agora todos os alunos têm cacifos na escola onde podem deixar de um dia para outro o material que não vão necessitar para o estudo/ TPC's desse dia...
Acho que é mais uma questão de organização e disciplina, algo que agradeço muito aos meus pais por sempre me terem incutido.

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