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Sobre os métodos naturais #1

por João Miguel Tavares, em 15.10.14

A Teresa Power e o João Miranda Santos responderam na caixa de comentários aos meus comentários sobre a encíclica Humanae Vitae, que no final dos anos 60 definiu a doutrina da Igreja em relação às questões do planeamento familiar, proibindo quaisquer métodos anticonceptivos artificiais.

 

A Teresa utiliza uma argumentação que eu tentarei amanhã analisar em detalhe, e com a qual estou evidentemente em desacordo. Ela prometeu não regressar ao tema porque teme (estará certamente escaldada) a agressividade habitual deste debate - felizmente, não tem estado a cumprir a promessa e tem havido troca de argumentação interessante na caixa de comentários, em particular com o Carlos Duarte. Se puderem, passem por lá.

 

A posição do João é um pouco mais irritante (sem ofensa), porque me acusa de "incoerência brutal" e garante que eu não percebo nada do assunto. Diz ele:

 

É demasiado fácil opinar sobre o que não se conhece nem se faz por conhecer.

 

E mais à frente recorda a minha "responsabilidade social":

 

Quanto mais não seja a responsabilidade de manter a coerência e inteligência (que costuma ter e me traz por cá)... a menos que queira chegar às 40 mil visualizações.

 

Porque é que isto é irritante? Ou melhor, triplamente irritante? Porque confunde:

 

1) discordância com ignorância (eu não sei do que estou a falar);

 

2) discordância com erro (como não sei do que estou a falar, só posso estar errado);

 

3) discordância com procura de popularidade (eu quero é "chegar às 40 mil visualizações").

 

Lamento, João, mas isto é aquilo a que se chama uma posição totalitária. Ou, se preferir, uma posição cavaquista, já que, segundo declarou o nosso sábio presidente numa famosa entrevista televisiva de 2005, “duas pessoas sérias com a mesma informação têm de concordar”.

 

Não, João, duas pessoas sérias com a mesma informação não têm de concordar. E isto será sempre o melhor ponto de partida possível para qualquer debate.

 

Como a Teresa Power me conhece um pouco melhor, pelo menos teve a amabilidade de não me acusar de eu não fazer patavina de ideia do que estou a falar. A minha relação com a Igreja, embora atribulada, já tem mais de um quarto de século, e um católico informado, como certamente será o caso do João Miranda Santos, sabe com certeza distinguir um ensinamento de um dogma. E, graças a Deus, o uso que os católicos dão ao latex, tal como o celibato dos padres ou as aparições de Fátima, ainda não pertencem ao campo da dogmática.

 

Os católicos mais conservadores têm, por vezes, essa tendência chata de dar uns encontrõezinhos nos católicos mais progressistas, sugerindo que quem discorda deles, mesmo em matérias não-dogmáticas, está, de certa forma, desencontrado da comunhão com a Igreja. Eu sei que têm a ajudá-los uma longa tradição, e que os dois papas anteriores a Francisco eram destacados conservadores, não particularmente interessados em inovações teológicas. Mas importa compreender que há uma fidelidade à consciência individual reconhecida pelo Concílio Vaticano II, que não pode ser atropelada pela exigência de um seguidismo acrítico a qualquer documento ou encíclica exarada pelo Vaticano.

 

Ou seja, o que eu peço a quem discorda de mim é a generosidade de aceitar que as minhas convicções em relação a este tema são tão sérias, pensadas e profundas quanto as convicções de quem acha que não deve utilizar métodos contraceptivos. Se o João Miranda Santos e a Teresa Power entendem que a recusa desses métodos é o caminho mais perfeito para espelhar a relação de Cristo com a Igreja, eu acho - e amanhã tentarei explicar porquê - que a Igreja deve reduzir as suas imposições àquilo que é o centro irredutível da fé cristã, para não cair numa obsessão pela lei que a leva frequentemente para os braços do mesmo farisaísmo que Cristo sempre combateu.

 

Eu não encontro nada sobre contraceptivos nos Evangelhos - apesar de, como diz a Teresa, eles terem existido desde sempre -, mas encontro muitas coisas sobre o cumprimento de leis que se tornam mais importantes do que a dignidade e as necessidades do Homem. Mas o que eu quero, para já, não é argumentar a favor ou contra a contracepção - é invocar o direito a que os meus argumentos sejam levados a sério, e não interpretados com paternalismo ou acusações de ignorância. 

 

Amanhã regressarei ao tema. Para já, fiquem com a argumentação da Teresa Power:

 

Podes usar as pílulas e os preservativos que quiseres, desde que não estejas a chamar à tua relação um espelho da relação entre Cristo e a Igreja, ou seja, um sacramento. Na sua belíssima encíclica, que classificaste de infeliz, a Igreja condena a contraceção porque ela afasta o amor humano da "imagem e semelhança" do amor divino, que é um amor sem limite, abundante, aberto à vida, verdadeiro. Um católico, ao "casar pela Igreja", isto é, ao receber o sacramento, recebe também a responsabilidade de tornar a sua relação semelhante à relação esponsal entre Cristo e a Igreja. O amor de Cristo não é nunca um amor contraceptivo. Não há volta a dar!

 

E deixa-me dizer-te, para encerrar o comentário - não comentarei mais sobre este tema - que mesmo que a Igreja dissesse outra coisa, eu nunca voltaria atrás na minha decisão de não tomar medicação para fazer amor. Acho triste um marido permitir à sua esposa tomar medicamentos - a pílula é um medicamento, sabias? - para que ela esteja sempre disponível para o sexo. O ciclo natural da mulher é uma das maiores maravilhas da natureza, e conhecê-lo e respeitá-lo em casal é uma das grandes graças que nós tivemos desde que nos casámos. A fertilidade feminina não é uma doença, não precisamos de medicação para viver uma vida sexual plena e feliz. Planeando naturalmente a nossa família, os dias deixam de ser todos iguais... Graças a Deus, a minha vida sexual é plena e abundante, os meus filhos também são numerosos, mas ainda não engravidei sem o desejar.

publicado às 21:27


70 comentários

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De Artur Neves a 16.10.2014 às 12:57

Não consigo admirar quem defenda uma religião.
É como admirar quem defenda um cancro.

Desculpe.
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De Alexandre a 16.10.2014 às 16:41

Exactamente.

O bem praticado por um religioso nunca é inerentemente bom.

É feito para agradar um lider religioso ou por suposto mandamento divino e nunca por verdadeiro altruismo.

É praticado com olho numa recompensa final (Céu)

Ouvi até já de quem se diz religioso que se não fosse a moral implantada na sua mente pelo que a biblia o ensina nada o impedia entao de andar por aí a matar pessoas sem peso na consciencia uma vez que nao havia justica divina para o condenar.
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De Miguel A. Baptista a 16.10.2014 às 18:21

Comparar a religião com um cancro. Aí está um exemplo de tolerância e aproximação ao outro...
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De Francisco a 17.10.2014 às 07:02

Cancro completamente

Basta ver as sociedades nórdicas, por exemplo onde o nivel de Ateismo ronda os 90% e comparar o nivel de vida com paises onde a religião é mais marcante para se constantar.

Quanto mais religioso o país, mais miserável.
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De Miguel A. Baptista a 17.10.2014 às 15:26

Isto de se mandar números para o ar é giro.
O menos religioso dos países nórdicos é a Noruega. e para se informar acerca dele aconselho o artigo.

http://en.wikipedia.org/wiki/Religion_in_Norway

estimates atheism rates in Norway as ranging from 31 to 72%, based on various studies." Nenhum estudo dá 90% mas cada um "arrota a posta de pescada" que quiser.

Armado desse seu saber científico aconselho-o a fazer um estudo transcultural comparando os índices religiosos do Ruanda, da China com o de outras nações que muito por via do humanismo cristão, incorporaram grande parte da noção de dignidade humana que a cultura ocidental comporta. Nessas nações ocidentais pode muito bem fazer o split entre Europa do Norte e Europa do Sul.

No caso da riqueza da Noruega o ter as grandes jazidas de petróleo e o alumínio mais puro do mundo também ajuda um bocadinho. Há 100 anos eram bem menos religiosos do que França por exemplo e bem mais pobres.

E já agora se calhar o dinheiro e o desenvolvimento, que são importantíssimos sem dúvida não são tudo; eu preferiria estar em Itália ou Cabo Verde numa altura da vida que precisasse de uma palavra de afecto e conforto do que na Escandinávia.

E por aqui acabo a minha participação nesta discussão porque para mim quem compara a crença numa religião a um cancro, e reitera essa ideia depois de tal assinalado, trata-se de um cretino, e não estou propriamente para perder tempo com pessoas dessa espécie.

Nota: apesar de ter orgulho legado judaico-cristão não tenho fé, agora piada aqueles cuja religião é a não-religião e são os talibans do ateísmo.
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De Francisco a 17.10.2014 às 20:18

http://www.huffingtonpost.com/2013/07/23/most-religious-countries-least-religious_n_3640033.html

Some interesting takeaways:

1. The poor are more religious than the rich. People in the bottom income groups are 17 percent more religious than those in the top income groups.

2. Globally, the number of those claiming to be religious has dropped by 9 percent from 2005 to 2011, while the number of people identifying themselves as atheists has risen by 3 percent.

3. Four countries have experienced a drop in religiosity in their populations that is greater than 20 percent between 2005 and 2012. France and Switzerland saw decreases of 21 percent, while Ireland's number of faithful declined by 22 percent and Vietnam's by 23 percent.


Disse alguma mentira, eu??

Não me canses a beleza, pá.

PS - O menos religioso escandinávo é a SUÉCIA
http://en.wikipedia.org/wiki/Demographics_of_atheism
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De Francisco a 17.10.2014 às 20:22

Toma lá mais nr do ar pra te entreteres

Sweden is one of the world's most secular and irreligious nations, partly because many Swedish people define themselves as irreligious but spiritual people. Phil Zuckerman, an Associate Professor of Sociology at Pitzer College,writes that several academic sources have in recent years placed atheism rates in Sweden between 46% and 85%, with one source reporting that only 17% of respondents self-identified as "atheist".

Sweden's official website asserts that that just three out of 10 Swedes state that they have confidence in the church. The article lists the following facts about religion in Sweden:

Only 1 in 10 Swedes thinks religion is important in daily life.

90% portanto.
http://en.wikipedia.org/wiki/Irreligion_in_Sweden

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