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Os leitores estão certamente recordados do entusiasmo, poucas vezes visto neste blogue, em relação à discussão sobre amamentar em público (posts aqui, aqui e aqui). Pois bem: mais uma vez, o PD4 mostra estar atento às grandes tendências do momento. E isto porque...
Foto Reuters
...voltou a acontecer em Inglaterra. Desta vez por causa de uma senhora chamada Louise Burns, que quando se encontrava a amamentar a sua filha recém-nascida no Claridge's, um hotel de cinco estrelas de Londres, foi convidada por um empregado a cobrir-se com o pano que podem ver na imagem em baixo.
Depois de colocar esta foto no twitter, a polémica estalou de imediato.
A coisa tomou tal dimensão que até já há declarações sobre o tema de um porta-voz de David Cameron e de Nigel Farage, do UKIP. O Independent conta toda a história aqui, o Guardian aqui e a BBC aqui.
No entanto, eu tive em primeiro lugar conhecimento dela através do óptimo texto de opinião da Maria João Marques no Observador. Citação para abrir o apetite:
Trata-se acima de tudo de alimentar um bebé. Há uma extensa informação sobre os benefícios da amamentação. E tendo em conta que estamos no Ocidente supostamente livre e igualitário – o que dá às doidivanas das mães a ilusão de que podem ir, acompanhadas dos seus bebés, às compras, passear, almoçar com amigos e outras atividades subversivas semelhantes – é uma inevitabilidade vermos uma mãe a amamentar um filho longe do recato da sua casa. Há quem escolha ofender-se com isso? Temos pena.
(Não que a visibilidade da amamentação seja novidade. Se viajarmos até uma galeria renascentista, encontraremos quadros com a Madonna a amamentar.)
Já agora, só mais uma nota acerca do texto da Maria João Marques, já que lá para o meio ela aborda um outro tema que muito me interessa: as mamas e a sua firmeza. Escreve ela:
Confesso: sou parcial com a amamentação. Amamentei imenso tempo e adorei amamentar. Vem, reconheça-se, com uma das maiores mentiras que se conta às mães: que ajuda a perder os quilos da gravidez. (Desenganem-se: temos fome e só emagrecemos no fim.) Mas não se diz – e é grave a omissão, porque se trata de informação essencial – que um período de amamentação prolongado, com um desmame suave ao longo de meses, é o garante de acabar com o peito igual ao de antes da gravidez.
Existe uma ténica de desmame suave que permite ao peito retornar ao seu estado pré-gravidez? Ena. A Maria João tem duplamente razão: 1) nunca ouvi falar disso e 2) parece-me informação absolutamente essencial.
Queria apenas acrescentar uma nota em relação ao já vasto debate sobre a questão da amamentação (aqui e aqui), que muito me tem surpreendido. Até porque, a meu ver, faltam opiniões de homens, que se têm envergonhado de participar, talvez por acharem que isto não é com eles.
Ora, eu sou daqueles que sempre preferiu ver a excelentíssima esposa amamentar com algum recato, por manifestas dificuldades em olhar para as suas mamas - ainda que apenas por três, seis ou nove meses - exclusivamente como um apêndice alimentar ao serviço de bebé. Aliás, muitos pais têm uma relação complicada com os filhos recém-nascidos, e existe até com frequência uma espécie de ciúme manhoso, em boa parte relacionado com a diminuição drástica da atenção da mamã para com o papá.
Aconteceu comigo quando nasceu a Carolina, e embora os pais não tenham quase nunca coragem de o verbalizar, existe efectivamente aquela sensação do "e se tirasses as mãos e a boca do meu brinquedo, ó desdentado!" A amamentação é, de certa forma, a prova definitiva da total perta de exclusividade - um conceito que é obviamente importantíssimo num casal monogâmico. Não sei se os vossos maridos alguma vez vos fizeram esta conversa, ou se sou eu que sou particularmente badalhoco, mas, de facto, senti tudo isto.
Dito isto, é aqui que alguns (ou melhor: algumas) dão um salto que me parece ilegítimo: o facto de eu preferir o recato, ou de me poder sentir desconfortável se uma amiga está alegremente a amamentar ao pé de mim - porque, em última análise, sou incapaz de des-sexualizar mamas -, não significa que eu exija o recato ou que me passe pela cabeça fazer qualquer espécie de observação em relação à pessoa que amamenta ao meu lado.
A civilização é isso: sermos capaz de combater os nossos próprios preconceitos. Podemos continuar a tê-los dentro de nós, mas não vamos tentar impô-los - ou sequer justificá-los - à humanidade. Ou seja: parece-me evidente que uma mulher tem todo o direito de alimentar o seu filho onde e quando lhe apetecer. Se alguém se sentir desconfortável - como eu próprio por vezes me sinto - azarucho: que vire a cara ou feche os olhos. Porque o direito daquela mulher a responder às necessidades do seu bebé obviamente se sobrepõe ao meu desconforto.
Acho que se aceitarmos isto encontramos com mais facilidade uma plataforma de entendimento. Eu prefiro o recato. Mas não me passa pela cabeça exigi-lo a uma mãe que está a dar de comer à sua criança.
A discussão a propósito deste post, na caixa de comentários, está a atingir níveis particularmente acirrados, pelo que eu pedia um pouco mais de moderação aos leitores, para eu próprio não ser obrigado a moderar o que ali é dito. Como sabem, os meus níveis de tolerância argumentativa são bastante elevados, mas convém mantermo-nos dentro de certos limites de razoabilidade.
O que se querem são opiniões equilibradas e, de preferência, argumentadas, como é o caso desta da faty eilans:
Confesso que este debate acerca de amamentar me deixa muito frustrada. Ter um seio à mostra para dar de alimento a um filho está longe de ser obsceno, a natureza fez-nos fisiologicamente eficientes. Infelizmente, ter um seio à mostra é visto por uma sociedade dita evoluída como um acto sexual.
Logo, esteja o seio à mostra para amamentar ou por qualquer outro motivo, a interpretação do acto acaba por não ser diferenciada. Nos dias de hoje, em que uma mulher é julgada por se sentir capaz de suportar os olhares muito indiscretos na exposição do seu corpo, aceita-se mais facilmente uma Kim "artística" do que uma Alyssa "mãe que alimenta filho".
Respeito ambas, mas nunca julgarei uma mãe que alimenta um filho e que o partilhe numa rede social. Como mãe que sou e que amamenta, luto todos os dias contra o preconceito de amamentar em espaços públicos quando a minha filha precisa. Um seio à mostra para amamentação não é um acto sexual, seja ele visto ao vivo ou fotografado.
Países como o Reino Unido introduziram o Acto de Igualdade em 2010, de forma que a amamentação não seja ostracizada quando feita em público. Acto este que permitiu a defesa de uma mãe que foi fotografada sem saber a amamentar na rua e a sua foto publicada numa rede social com um título ofensivo. O debate sobre este tópico merece um pouco mais de construção e menos julgamento moral & trocas de insultos.
O caso que a leitora refere neste último parágrafo aconteceu em Março deste ano, quando uma inglesa chamada Emily Slough foi fotografada às escondidas a amamentar o filho na rua e a sua foto acabou vítima de insultos no Facebook. A imagem é esta e o inacreditável comentário está em baixo:
O Daily Mail conta a história aqui. Várias dezenas de mães reagiram numa manifestação pública, em que deram de amamentar aos seus filhos no mesmo local em que Emily Slough foi fotografada.
A questão, obviamente, não se coloca apenas em Inglaterra. Aqui encontram um texto brasileiro que faz um bom resumo da situação, e dá exemplos - a meu ver, inconcebíveis - de mulheres que são incomodadas, inclusivamente em instituições públicas, por amamentarem os filhos.
Foi o que aconteceu à modelo Priscila Bueno num museu de São Paulo, também este ano, o que deu origem a um protesto no mesmo local semelhante ao das inglesas em defesa de Emily Slough, a que os brasileiros dão o colorido nome de "mamaço". A história pode ser lida aqui.
O facto de estarmos na presença de uma mulher muito bonita, apenas dá razão àquelas que defendem que o problema não está no acto em si mas na cabeça de quem olha para ele. Nesse sentido, não há como negar a utilidade do Equality Act referido pela faty eilans, e que no que diz respeito à amamentação pode ser consultado aqui.
O que o Acto de Igualdade diz é muito simples: é considerada discriminação sexual tratar desfavoravelmente uma mulher por estar a amamentar em público. Ninguém pode pedir que pare, nem recusar prestar-lhe um serviço (num café, por exemplo) por causa disso. Parece-me uma coisa básica - mas, pelos vistos, há coisas básicas que necessitam de ser verbalizadas.
Os Estados Unidos são aquele país onde tudo se discute, e sempre de modo mais fervoroso do que em qualquer outro lado. Donde, a questão da amamentação é naturalmente um enérgico campo de batalha. E a luta é não só pelos benefícios (indiscutíveis) do aleitamento materno, mas também pela visibilidade da amamentação - um tema sempre sensível.
A actriz Alyssa Milano teve a sua primeira filha em Setembro e tem partilhado fotos desses momentos no Instagram. Numa das mais recentes partilhas, colocou fotos suas a dar de mamar ao bebé e houve alguma reacções de pessoas que defenderam que a amamentação é um momento íntimo entre mãe e filho, que não deve ser partilhado desta maneira.
A resposta de Milano no Twitter teve graça:
Esperem! Eu não percebo. Sem desrespeito pela Kim, mas... as pessoas ficam ofendidas com a minhas selfies a amamentar e estão confortáveis com a sua (extraordinária) capa do rabo?
A "capa do rabo" de Kim Kardashian, como por esta altura quase todo o planeta saberá, é esta:
E, como a própria Milano admite, é um "inacreditável rabo". Eu subscrevo. Mas Alyssa tem uma certa razão: suportamos com grande tolerância imagens de uma sexualidade explosiva, e depois encolhemo-nos com vergonha perante uma mãe a amamentar um filho. Suponho que Freud deva explicar. Mas eu não conheço essa explicação.