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O Dr. Mário Cordeiro, que até costuma dar uma ampla liberdade às idiossincrasias dos pais, é absolutamente contra os pais beijarem os filhos na boca. Eis a sua argumentação:
Nããããão! É dar a ilusão de que a relação parento-filial se pode tornar numa relação conjugal, que é um interdito entre pais e filhos porque corresponde à fantasia dos dois anos de idade. As pessoas cumprimentam-se de todas as maneiras, e os homens com 3 beijos nos países árabes ou no sul de França, ou na Rússia.
Todavia, um beijo na boca é como dormir na cama dos pais - um sinal de inversão do triângulo pai-mãe-filho, e uma intrusão do filho na relação conjugal dos pais, com perturbação da sua futura relação conjugal (seja com o Noddy ou a Ursa Teresa, com o João ou a Teresa do Infantário, ou mais tarde com o Príncipe ou Princesa encantados).
Portanto, JMT: nãããããão !!!!! A menos que gostem de lançar bombas atómicas ou deixar o percurso de vida dos vossos filhos cheios de minas!
Antes que comecem a acusar-me, após a mega-polémica da amamentação, de me estar a transformar no Bloco de Esquerda da vida familiar - por aqui, é só temas fracturantes -, devo dizer-vos que a pergunta não é minha, mas da leitora Ana, que me desafia a opinar sobre dar beijos na boca dos filhos. E acrescenta:
Não acho nojo, mas incomoda-me.
Este "não acho nojo" é uma resposta directa ao conteúdo deste post da Joana Paixão Brás, no blogue A Mãe É que Sabe.
Eu não só não acho nojo como até acho fofinho de ver, pelo menos nos filmes de Hollywood. Mas pessoalmente não pratico. Até porque não saberia em que altura da vida parar. Se em 2020 alguém me apanhasse na rua a dar chochos a uma miúda de 16 anos corria o risco de acharem que não era minha filha - o que daria problemas em casa.
Mas parece que a questão começa a discutir-se em muito lado, incluindo nos países onde beijar na boca é habitual.
Confesso que continuo muito impressionado com a quantidade de gente que apareceu a testemunhar casos de abuso sexual na sequência destes posts. Muito impressionado, mesmo - são realmente demasiados testemunhos para encaixarem nos meus 0,01%. E é o suficiente para me obrigar a repensar as tais conversas que não estava a querer ter com os meus filhos, por as considerar desnecessárias.
Num das caixas de comentários, a Joana A afirmou o seguinte, com grande inteligência e ponderação:
Eu faço educação sexual com professores/as e recomendo que se fale de abusos, de práticas sexuais, de segredos bons e segredos maus. Um agressor ou abusador manipula muito bem as crianças para não ser descoberto e se lhes abrirmos a porta da comunicação elas podem sentir-se mais à vontade para contar a alguém que pode intervir, em vez de esconder e deixar-se levar pela manipulação. Se pensarmos em crianças com perturbações do desenvolvimento ou da aprendizagem (com dificuldades cognitivas, portanto), ainda mais vulneráveis são a ser manipuladas e ser vítimas.
Não podemos ter números e estatísticas, não saberemos se 99%, mais ou menos, crianças são ou serão expostas a abusos, mas a prevenção é abrir a comunicação, sem medo, deixar a porta aberta, como mães, pais, educadores em que acreditamos e sabemos do que eles falam. É que o abuso tem muitas formas e se as crianças não souberem o que são práticas sexuais, nem percebem o que está a acontecer. Alguns comentários mostram isso mesmo e é nestas alturas que me pergunto se não há muito mais casos do que conhecemos.
Mas fez mais: de seguida deixou um link para um texto do jornal britânico The Guardian sobre essa coisa, tão portuguesa, de obrigar as criancinhas a dar beijinhos a toda a gente. O texto intitula-se "Por que não se deve forçar uma criança a beijar os seus avós" e vale imenso a pena lê-lo. Lá está - é mais uma batatada no nariz dos meus preconceitos, porque nunca tinha visto as coisas desta forma.
Curiosamente, eu próprio, quando era pequeno, resistia imenso a cumprimentar as pessoas, embora nunca ninguém tenha abusado de mim. Deixo só uma frase do artigo para concluir este post e estimular o debate:
Children have powerful instincts, and sometimes adults override those instincts for social niceties that suit the adult, not the child.
[Tradução minha: "As crianças têm instintos poderosos, e muitas vezes os adultos atropelam esses instintos em nome de cortesias sociais que fazem sentido para o adulto, mas não para a criança."]