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Este Verão os nossos planos de férias foram gorados por um vírus insubordinado, que abancou estrondosamente no nosso Gui e depois ainda resolveu dar umas piruetas nos linfócitos do Tomás (que eficazmente lhe deram um chega-para-lá).
Resultado: ficámos em família no estaleiro, rodeados por frascos de xaropes, mudas de roupas suadas, comidas frescas e fáceis de engolir (tem sido um fartar vilanagem de gelados) e banhos tépidos a toda a hora. Ainda houve quem refilasse e se lembrasse de pedir asilo aos avós, mas as nossas férias em família são tão poucas que achámos justo os manos partilharem o bom e o mau em conjunto.
Entretanto, aproveitámos o tempo para fazer coisas que só com paciência e sossego se conseguem pôr em prática. Entre as várias empreitadas houve uma que ainda não foi completamente bem sucedida, mas que nos tem tomado muitas horas e enfeitado generosamente o chão da casa.
Conseguem adivinhar qual é, não é verdade? Uma pista para os mais distraídos: o João está a adorar.
A Sónia diz que não preciso de agradecer, mas eu agradeço na mesma. Obrigado, Sónia - mais um excelente argumento para me manter dog free.
E sobre o Assunto Cão, vale a pena trazer para aqui este óptimo testemunho da leitora Ana Leal:
Olá, João! Veja este post como uma modesta retribuição em relação àquilo que acaba por me, nos, dar, todos os dias com este seu, vosso, maravilhoso blogue.
Eu cedi à vontade dos meus filhos, e à minha própria, de comprar um cão. Soube fintar a parte do cão adotado, porque li bastante sobre o assunto e [acerca de certos] riscos como não saber de que tamanho o cão se tornaria, que tipo de doenças hereditárias, que as há bem complicadas, e que temperamento podia ter. Eram riscos que queria minimizar com três crianças em casa, ainda por cima com uma com dois anos.
Comprámos um cão de uma raça tida como boa para crianças (Golden Retriever), de um excelente criador, estudadíssimo. O cão, que agora tem 18 meses e pesa 40 kg, é não só lindo de morrer, como super meigo e paciente com as crianças, muito "inteligente", e tirando uma ou outra diarreia ainda não teve nenhum problema de saúde. E nós moramos numa vivenda e temos jardim e uma pessoa em casa praticamente o dia todo... e mesmo assim eu estou um bocado arrependida.
Porquê? Porque: ele acorda às 6 horas da manhã TODOS os dias, e ladra até alguém acordar (eu) e lhe abrir a porta de casa para ir à rua, e depois quer companhia, e porque é também ele criança quer brincar, e agora além da pressão que tenho para educar 3 crianças tenho ainda que educar o cão. E como me farto de ler, sei que temos de estimulá-lo mentalmente, para ele ser um cão obediente e equilibrado e temos de dar passeios grandes, dos quais ele vem invariavelmente todo sujo (para já não falar na dificuldade que foi ensiná-lo a não puxar a trela - que ainda puxa um bocado) e depois para lhe dar banho fico eu toda encharcada dos pés à cabeça.
E as crianças? As crianças no primeiro dia em que ele veio para casa gostaram muito, mas depois ele não fazia o que eles queriam (e os cachorros mordiscam imenso e é necessário ensiná-los a não fazer isso - tem até um nome: inibição de mordida em cachorros), e portanto nos meses seguintes deixaram de lhe achar graça até alguém (eu) ensinar ao cão tudo o que ele sabe agora (senta, fica, deita, não, anda, aqui, junto larga, vai buscar, etc ) o que tornou a interacção com eles mais positiva. Mesmo agora fazem um bilú-bilú quando chegam a casa (dura 2 minutos) e depois adeus.
E sim, a Sónia tem razão. Até aprenderem a não fazer nada em casa, são umas manhãs de vómitos, mesmo para quem não esteja grávida (que voltam a repetir-se, sempre que o coitado do cão come uma porcaria qualquer na rua e fica mal da barriga e sem se conseguir controlar). Por isso, João... mesmo com um cão maravilhoso, e todas as condições para o ter, acho que é uma experiência gira para um/a solteiro/s, um jovem casal, ou uma família com filhos um pouco mais crescidos, mais de 14 anos, ou um casal sem filhos, porque em termos de exigência em termos de tempo e cuidados é quase como ter mais um filho - isto, claro, para quem se preocupa e gosta de fazer bem-feito...
Se pudesse voltar atrás escolheria o mesmo cão, o mesmo criador, mas definitivamente só daqui a 4 ou 5 anos. Mesmo assim, se um dia decidir avançar, escolha um criador que tenha boas condições para poder receber o cão sempre que vocês vão de férias - o nosso é assim e nunca na vida pensei que isso se revelaria tão importante - sim, porque nós adoramos o cão, e quando vamos a algum lado sabe bem saber que o deixamos com a família dele, de contrário iria ser um suplício.
(Ah! Esqueça também aquela coisa idílica de estar a almoçar, numa esplanada, com o cão sossegado debaixo da sua cadeira. A maior parte dos restaurantes, bares, etc. , não permite, e até que o cão consiga permanecer nesse estado, há um longo caminho a percorrer... a não ser que tenha imenso tempo para dedicar ao cão - o que, pelo que leio aqui, não me parece :-) )
A leitora Ana Maria, colocada perante as minhas eternas dúvidas metafísico-caninas, qual Hamlet do canil - "Ter um cão ou não ter, eis a questão" -, aconselhou-me a ir ler o que a minha amiga Sónia Morais Santos anda a escrever sobre o cão que ela, num dia de manifesta loucura, resolveu meter dentro de casa.
E, de facto, vale a pena acompanhar o seu duplo esforço: para limpar a treta toda que o cão espalha pelo domicílio, e para se convencer de que, apesar de tudo, aquilo tem alguma graça. Mas como se percebe por um post como este, aquilo não tem mesmo graça nenhuma.
Portanto, queria deixar aqui publicamente o meu obrigado à Sónia, por a sua família estar a servir de minha cobaia à distância, mesmo sem saber. Quanto mais ela falar do seu cão, mais o meu futuro cão nunca chegará a existir, para grande tristeza das crianças e grande alegria do pai. Portanto, Sónia, escreve, escreve. Diz-me mais coisas que eu quero saber.
Que os dedos não tem doam para dares testemunho de cada cocó depositado na sala, cada chichi vertido na cozinha, cada pulga alojada no sofá. Lamento isto ser um triste caso de schadenfreude, mas é por uma boa causa. Estou contigo e com o grande Mojito.
Ontem passámos o dia fechados em casa, apesar de ser 1 de Maio e estar um dia lindíssimo. A Teresa estava a trabalhar, a Rita meio adoentada e os miúdos tinham inglês à tarde, pelo que resolvi manter-me de pijama. Mas como os queria entretidos com outras coisas que não tablets e séries televisivas parvas, decidi aproveitar para lhes dar uma aula de história de cinema, com exemplos práticos, para não aborrecer.
No início não foi fácil convencer a Carolina, que garantia não gostar de filmes antigos, e muito menos de filmes mudos (ela foi ao cinema ver O Artista e não apreciou lá muito). Mas depois de bastante insistência acabou por ceder, como habitualmente.
Fui buscar o quadro do escritório e comecei a escrever as principais datas da origem do cinema. Parti da invenção do cinematógrafo pelos irmãos Lumière, em 1895, passei para as curtas maravilhosas de George Méliès, que nos primeiros anos do século XX já estavam a encher o cinema de efeitos especiais e da imaginação mais delirante (a Carolina conhecia o Méliès por causa do filme de Scorsese A Invenção de Hugo), depois avancei para as primeiras curtas de Charlie Chaplin em 1915, e pelo caminho também lhes falei da criação da grande narrativa cinematográfica e das brilhantes técnicas de montagem de D.W. Griffith, o que incluiu o visionamento de partes do polémico Nascimento de uma Nação.
Parece aborrecido para miúdos tão pequenos? Não é nada aborrecido, porque há sempre coisas para ver. Na verdade, comecei ainda mais atrás do que os Lumière, porque a primeira coisa que lhes mostrei, no computador, foram as fotos revolucionárias de Eadweard Muybridge:
Depois expliquei-lhes a importância da colocação de câmara dos Lumiére no filme da chegada do comboio a La Ciotat, que implica já uma grande consciência da boa composição do plano. Segundo reza a lenda, este minúsculo filme levou a que muitos espectadores saltassem da cadeira e fugissem quando viram o comboio aproximar-se. Tivessem os irmãos Lumiére colocado a câmara de frente para a linha e para os carris, em vez de utilizarem a diagonal, e nada disso aconteceria.
Depois, claro, não poderia faltar a Viagem à Lua do Méliès, sempre uma garantia de divertimento. Com os cenários de papelão, os extraterrestres lunáticos e as explosões de enxofre. Aproveitei até para ver a versão restaurada e tintada, que tinha cá em casa mas nunca tinha posto no blu-ray (o filme foi originalmente apresentado a cores em 1902, já que toda a película - uns bons milhares de fotogramas - foi pintada à mão).
Mas, para minha grande surpresa, a estrela da sessão acabou mesmo por ser o Nascimento de uma Nação.
A Carolina, que dizia detestar filmes antigos, ficou agarrada a vários bocados da história. E o Tomás, claro, adorou as cenas de combate entre sulistas e nortistas. Expliquei-lhes o problema do enorme racismo do filme, mas a Carolina deu razão ao génio de Griffith - a questão social impressionou-a pouca perante a história de amor e a angústia dos protagonistas.
O sol faz muita falta. Mas a luz do cinema também aquece. Foi um 1.º de Maio cansativo, mas bastante divertido.