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O amor seria menos intenso se não tivéssemos filhos? #3

por João Miguel Tavares, em 20.10.14

E depois de um longo intervalo para falar de métodos naturais, preservativos e , eis a prometida conclusão da resposta à leitora Ines (partes anteriores aqui e aqui), acerca da minha relação com a paternidade. A última questão por ela colocada era esta:

 

Teve filhos só porque a Teresa queria? E vive uma vida completamente contrariado? Vezes quatro?

 

E, de certa maneira, quase não precisava de responder, porque a Mara se encarregou de o fazer num dos comentários, contando a sua própria história de vida:

 

Quando conheci o meu marido disse-lhe logo que queria ter filhos cedo (bem antes dos 30) e que queria ter "muitos" (sendo que muitos era, no mínimo, três). Ele nunca quis especialmente ter filhos. Sempre disse, como o João, que é muito feliz apenas com livros, música e internet. Curiosamente, eu também, mas sempre senti que viveria uma vida incompleta se não tivesse filhos.

 

Por isso, na realidade, ele teve filhos porque eu quis. E teve quatro! Adora-os de paixão, mas sei que concordou com tê-los, antes de mais nada, para me fazer feliz a mim. Por isso, cada um deles é uma prova de amor.


Não percebo a dificuldade em compreender isto, que acho que é o que o João também tem dito nos últimos posts. Quando se ama, faz-se cedências em nome do outro. Da vida do outro, da sua felicidade. Eu também não vivo na cidade que escolheria sozinha, nem na casa com quintal nos arredores que adoraria, porque sei que ele é mais feliz num apartamento central, com café e quiosque ao virar da esquina. A vida que construímos a dois não pode ser igual à que teríamos sozinhos. Por isso agora somos 6, e somos muito felizes. Daqui a uns anos seremos outra vez só dois, e ainda teremos várias décadas para gozar isso.

 

É muito isso, e fico feliz por alguém o perceber. Embora eu e a Teresa sempre tevéssemos dito, deste o princípio da nossa relação, que queríamos ter três filhos, eu sempre achei que não era uma daquelas conversas para levar demasiado a sério. Eu, porque se não os tivesse não os tinha; ela, porque se não fossem três eram quatro. Já perceberam quem ganhou, claro.

 

Eu não tive filhos só porque a Teresa os queria. Mas acabei por os ir tendo porque a Teresa os foi querendo e eu nunca quis não os ter. É uma daquelas atitudes de passividade activa muito típicas dos homens. Não estava contra. Nem a favor. Votava em branco - e fui acatando as decisões do governo caseiro, mesmo que o governo caseiro argumente que nunca quis decidir nada e que as coisas foram simplesmente acontecendo.

 

Quanto a levar uma vida completamente contrariado, questão sempre sensível e complexa, isso é capaz de ter um certo fundo de verdade, desde que retiremos o "completamente". Eu sou um grande fã do "Estou Além" do António Variações:

 

 

Isto sou eu. Na verdade, somos quase todos nós:

 

Esta insatisfação

Não consigo compreender

Sempre esta sensação

Que estou a perder

Tenho pressa de sair

Quero sentir ao chegar

Vontade de partir

P'ra outro lugar

 

Vou continuar a procurar o meu mundo, o meu lugar

Porque até aqui eu só

 

Estou bem

Aonde não estou

Porque eu só quero ir

Aonde eu não vou

Porque eu só estou bem

Aonde não estou

 

E já que estamos em maré musical, levem também com uma das mais belas canções da história da música portuguesa. Chama-se "Inquietação", é de José Mário Branco, e também me parece perfeita neste contexto:

 

 

Isto sou eu. Na verdade, somos quase todos nós:

 

É só inquietação, inquietação

Porquê, não sei

Porquê, não sei

Porquê, não sei ainda

 

Há sempre qualquer coisa que está para acontecer

Qualquer coisa que eu devia perceber

Porquê, não sei

Porquê, não sei

Porquê, não sei ainda

 

Cá dentro inquietação, inquietação

É só inquietação, inquietação

Porquê, não sei

Mas sei

É que não sei ainda

 

Há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer

Qualquer coisa que eu devia resolver

Porquê, não sei

Mas sei

Que essa coisa é que é linda.

 

O facto de eu me considerar uma pessoa muito feliz e com imensa sorte não significa que seja uma pessoa satisfeita ou completamente realizada. Tenho a certeza que a excelentíssima esposa sente o mesmo, ainda que possa ter mais dificuldades em admiti-lo. E por isso, quando os filhos ocupam uma fatia tão grande das nossas vidas, é normal que sintamos que a inquietação e a vontade de estar além esteja intimamente ligada a eles.

 

Eu acho que vivemos tempos desequilibrados, em que estamos todos a viver demasiado em função dos miúdos - o que potencia a angústia nos momentos de cansaço. Mas, para voltar à questão inicial que deu origem a esta sequência de posts, os meus filhos são o fruto de um amor, e não os consigo conceber sem a Teresa. Sinto de tal forma essa comunhão que detesto quando na escola lhes chamam Carolina Tavares ou Tomás Tavares. Não, não, não. É Carolina Mendonça Tavares e Tomás Mendonça Tavares. Sem nós - eu, ela, os dois - eles não existiam. E sem a Teresa nada disto faria sentido.

 

E para não acabar em tom demasiado melancólico, aqui vai uma samba de Zeca Pagodinho, num resumo perfeito da atitude que desejo ter perante a vida. No final do dia, quero acreditar que tudo se resume a isto, até porque o sotaque brasileiro vem sempre com um suplemento festivo que nos faz muito bem à alma. Chama-se "Deixa a Vida Me Levar":

 

 

Nisto acredito eu. Na verdade, nisto acreditamos quase todos nós:

 

Só posso levantar as mãos pro céu

Agradecer e ser fiel

Ao destino que Deus me deu

Se não tenho tudo que preciso

Com o que tenho, vivo

De mansinho lá vou eu

 

Se a coisa não sai do jeito que eu quero

Também não me desespero

O negócio é deixar rolar

E aos trancos e barrancos, lá vou eu!

E sou feliz e agradeço

Por tudo que Deus me deu

 

E deixa a vida me levar (vida leva eu!)

Deixa a vida me levar (vida leva eu!)

Deixa a vida me levar (vida leva eu!)

Sou feliz e agradeço

Por tudo que Deus me deu

publicado às 10:30


O amor seria menos intenso se não tivéssemos filhos? #2

por João Miguel Tavares, em 15.10.14

Voltemos, então, à questão que a Ines coloca nos comentários a este post:

 

O amor seria menos intenso se não houvesse crianças? Poderiam ser um casal sem filhos muito feliz!

 

Como já disse no post anterior, acho até que poderia ser mais intenso, se encararmos o conceito de "intensidade" num sentido próximo da paixão e da multiplicação de gestos de amor. Os filhos atrapalham muito as relações à filme romântico de Hollywood - e as famílias que se vêem nos anúncios de televisão nunca são parecidas com as nossas.

 

Já o disse várias vezes a amigos, e penso que também aqui no blogue: os filhos podem perfeitamente dar cabo de um casamento. Convém que estas coisas sejam verbalizadas com a devida secura, porque eu detesto discursos cor-de-rosa que não preparam as pessoas para os desafios que têm pela frente.

 

Portanto, é evidente que não só poderíamos ser um casal muito feliz sem filhos, como diz a Ines, como os filhos se fartam de atrapalhar a felicidade do casal. Essas são alturas, de esgotamento e falta de paciência, em que somos convidados a olhar para a frente e suportar a suspensão das gratificações imediatas, em nome de um futuro mais solarengo que, convenhamos, nem sempre é fácil vislumbrar, tão cinzento está o céu.

 

Já falei abundamente sobre isso há um ano e meio, num post chamado Dilema dos amantes, que até tem grande música a acompanhar. Vão lá e leiam, se vos apetecer.

 

Claro que o martelo pneumático filial tem esta vantagem: quando ele pára e se faz silêncio, parece que estamos no céu. Falei sobre isso aqui, a propósito da minha última viagem a Nova Iorque com a Teresa. Uma citação desse texto:

 

É curioso quando tanta gente opõe o amor à paixão. Vocês já ouviram de certeza essa história: a paixão é aquela coisa que se tem no início de uma relação mas que nunca mais volta, comida pelas traças do tempo. Com sorte, resta o amor, coisa saborosa mas devidamente pacificada. Pois bem, eu proponho-vos esta experiência: escolham bem o marido ou a mulher, arranjem uma catrefada de filhos, misturem tudo num quotidiano frenético, e ao fim de muitos anos tirem de repente do caminho, por poucos dias que seja, todo o frenesim, todo o trabalho, todos os filhos, todo o stress. Eu garanto-vos - vão parecer novamente adolescentes de 18 anos. Com a vantagem de terem a experiência de 40.

 

Ora, sendo tão divertido o tempo em que estou apenas com a excelentíssima esposa, e parecendo eu tantas vezes contrariado na minha paternidade sofrida, é natural que a Ines pergunte: 

 

Ou então, teve filhos só porque a Teresa queria? E vive uma vida completamente contrariado? Vezes quatro?

 

São excelentes questões. Tão boas que não tenho tempo para lhes responder agora. Voltarei a elas amanhã.

 

326_Loving_For_Keeps_Cartoon_Love_me_forever.jpg

 

publicado às 09:53


O amor seria menos intenso se não tivéssemos filhos? #1

por João Miguel Tavares, em 15.10.14

Escreveu a leitora Ines nos comentários a este post, que por sua vez comentava este post:

 

Não entendi a parte em que diz que os seus filhos são fruto do amor do casal. O amor seria menos intenso se não houvesse crianças? Poderiam ser um casal sem filhos muito feliz! Ou então, teve filhos só porque a Teresa queria? E vive uma vida completamente contrariado? Vezes quatro?

 

Eu admito que o meu post anterior era meio opaco, e estas objecções dão-me oportunidade para esclarecer a minha posição sobre o tema. Vamos, então, por partes.

 

Não entendi a parte em que diz que os seus filhos são fruto do amor do casal.

 

Estou convencido que o sociólogos e antropólogos do futuro considerarão a invenção da contracepção, e da pílula em particular, como um momento fundador na história da humanidade, em que a relação dos casais com a paternidade muda de forma radical. Por vezes nós não temos essa noção, porque estamos imersos no momento, mas a nossa geração está a viver uma revolução naquilo que são as relações familiares, e a invenção da contracepção feminina é um facto absolutamente estruturante.

 

Claro que há sempre azares e pessoas que têm filhos acidentalmente, mas mesmo os católicos ignoram olimpicamente as directrizes da Igreja em relação aos anticoncepcionais, e eu não tenho dúvidas em classificar a famosa encíclica Humanae Vitae (1968) e a sua visão da regulação da natalidade como um momento muito infeliz na história da Igreja. Espero que essa visão venha a mudar brevemente, porque nove em dez católicos não conseguem sequer perceber - porque, simplesmente, não se percebe - por que raio a utilização de um preservativo interfere na sua relação com Deus.

 

Diante destes factos, ter um filho a partir do último quartel do século XX é, sobretudo, ter o fruto de uma relação amorosa. Os "acidentes" diminuíram drasticamente, ou então são acidentes relativamente consentidos (é o meu caso e da Teresa, já que nenhum dos quatro foi planeado), e a partir daí aconteceu algo muito natural: o número de filhos por casal diminuiu e eles tornaram-se cada vez mais preciosos e desejados. Toda esta mariquice com os filhos, de que este blogue é uma belíssima prova, seria impensável antes da criação de uma cultura contraceptiva.

 

(O que não significa, atenção - antes que me apareça aí alguém que recusa a pílula e o preservativo por fidelidade à Igreja -, que quem usa os métodos naturais não adore os seus filhos tantos como os outros. Contudo, ter muitos filhos será, nesses casos, uma opção assumida, quando antigamente era uma coisa que simplesmente acontecia, e estava dependente sobretudo da fertilidade do homem e da mulher.)

 

É por isso que os filhos raramente são, nos dias de hoje, algo que não o fruto do amor do casal - donde, existe, de facto, para quem os tem, uma espécie de sentimento de completude, em que a relação a dois passa a ser a base de uma relação a três, quatro, cinco, seis (o meu caso) ou mais, que compõem aquilo a que se chama "família".

 

Retomando a questão da Ines (suponho que seja Inês, mas eu respeito o nome inscrito no comentário):

 

O amor seria menos intenso se não houvesse crianças?

 

Não, não seria. Acho até que poderia ser mais intenso (tomando "intensidade" num sentido mais próximo da paixão e da multiplicação de gestos de amor quotidianos).

 

Mas isso, se não se importam, fica para o próximo post, que este já vai longo.

 

Funny-true-love-cartoon.jpg

 

publicado às 08:51


O clássico "dói-me a cabeça", mas agora em Excel #2

por João Miguel Tavares, em 23.07.14

Queria alertar para dois óptimos comentários a propósito deste post e do famoso mapa Excel com as desculpas que ela arranjou durante mês e meio para limitar o pinanço:

 

 

O primeiro comentário é do sempre pertinente, polémico e perspicaz (PPP) LA-C:

 

A acreditar que a folha de Excel não omite nada de relevante, somos levados a concluir que a mulher não tomou a iniciativa uma única vez durante um mês e meio. Já o marido tomou a iniciativa 20 vezes. Não houve comentários a esse respeito?

 

É uma óptima questão - porque a verdade é que ainda vivemos num mundo onde é suposto ser ele a tomar a iniciativa. Por outro lado, há que admitir que o gajo do Excel é um verdadeiro coelhinho, que não deve ter mais nada com que se entreter: é que ele tentava quase todas as noites.

 

É certo que só foram três "yes" em mês e meio, o que é muito "no" (fiz as contas: dá 89,3% de negas, o que eu diria ser um número complicado de sustentar numa relação feliz), mas, por outro lado, mesmo depois dos "yes", o gajo tentava logo novamente nas noites a seguir. Das duas uma, ou o sexo era muito fraco ou ele conheceu a mulher há 15 dias. 

 

Já o segundo comentário que eu queria trazer para aqui é uma confissão corajosa - louve-se a frontalidade - da Maria:

 

Isto é a realidade em mais de metade dos casais com mais de meia dúzia de anos de relação. Lá em casa é igual. Ele insiste e eu tenho sempre desculpas. Muitas delas parecidas com estas (mas tomo banho depois de ir ao ginásio :) E quem disser que é mentira, ou mente ou é uma raridade. 

 

Será mesmo assim? A vida sexual do homem e da mulher casados há muitos anos está condenada a nove "hoje dói-me a cabeça" por cada 10 tentativas de queca? Ora aqui está uma questão que merecia ser discutida neste blogue.

 

Vá lá, não sejam tímidos, que por aqui ninguém vos conhece.

 

publicado às 09:44



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