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A Teresa Power e o João Miranda Santos responderam na caixa de comentários aos meus comentários sobre a encíclica Humanae Vitae, que no final dos anos 60 definiu a doutrina da Igreja em relação às questões do planeamento familiar, proibindo quaisquer métodos anticonceptivos artificiais.
A Teresa utiliza uma argumentação que eu tentarei amanhã analisar em detalhe, e com a qual estou evidentemente em desacordo. Ela prometeu não regressar ao tema porque teme (estará certamente escaldada) a agressividade habitual deste debate - felizmente, não tem estado a cumprir a promessa e tem havido troca de argumentação interessante na caixa de comentários, em particular com o Carlos Duarte. Se puderem, passem por lá.
A posição do João é um pouco mais irritante (sem ofensa), porque me acusa de "incoerência brutal" e garante que eu não percebo nada do assunto. Diz ele:
É demasiado fácil opinar sobre o que não se conhece nem se faz por conhecer.
E mais à frente recorda a minha "responsabilidade social":
Quanto mais não seja a responsabilidade de manter a coerência e inteligência (que costuma ter e me traz por cá)... a menos que queira chegar às 40 mil visualizações.
Porque é que isto é irritante? Ou melhor, triplamente irritante? Porque confunde:
1) discordância com ignorância (eu não sei do que estou a falar);
2) discordância com erro (como não sei do que estou a falar, só posso estar errado);
3) discordância com procura de popularidade (eu quero é "chegar às 40 mil visualizações").
Lamento, João, mas isto é aquilo a que se chama uma posição totalitária. Ou, se preferir, uma posição cavaquista, já que, segundo declarou o nosso sábio presidente numa famosa entrevista televisiva de 2005, “duas pessoas sérias com a mesma informação têm de concordar”.
Não, João, duas pessoas sérias com a mesma informação não têm de concordar. E isto será sempre o melhor ponto de partida possível para qualquer debate.
Como a Teresa Power me conhece um pouco melhor, pelo menos teve a amabilidade de não me acusar de eu não fazer patavina de ideia do que estou a falar. A minha relação com a Igreja, embora atribulada, já tem mais de um quarto de século, e um católico informado, como certamente será o caso do João Miranda Santos, sabe com certeza distinguir um ensinamento de um dogma. E, graças a Deus, o uso que os católicos dão ao latex, tal como o celibato dos padres ou as aparições de Fátima, ainda não pertencem ao campo da dogmática.
Os católicos mais conservadores têm, por vezes, essa tendência chata de dar uns encontrõezinhos nos católicos mais progressistas, sugerindo que quem discorda deles, mesmo em matérias não-dogmáticas, está, de certa forma, desencontrado da comunhão com a Igreja. Eu sei que têm a ajudá-los uma longa tradição, e que os dois papas anteriores a Francisco eram destacados conservadores, não particularmente interessados em inovações teológicas. Mas importa compreender que há uma fidelidade à consciência individual reconhecida pelo Concílio Vaticano II, que não pode ser atropelada pela exigência de um seguidismo acrítico a qualquer documento ou encíclica exarada pelo Vaticano.
Ou seja, o que eu peço a quem discorda de mim é a generosidade de aceitar que as minhas convicções em relação a este tema são tão sérias, pensadas e profundas quanto as convicções de quem acha que não deve utilizar métodos contraceptivos. Se o João Miranda Santos e a Teresa Power entendem que a recusa desses métodos é o caminho mais perfeito para espelhar a relação de Cristo com a Igreja, eu acho - e amanhã tentarei explicar porquê - que a Igreja deve reduzir as suas imposições àquilo que é o centro irredutível da fé cristã, para não cair numa obsessão pela lei que a leva frequentemente para os braços do mesmo farisaísmo que Cristo sempre combateu.
Eu não encontro nada sobre contraceptivos nos Evangelhos - apesar de, como diz a Teresa, eles terem existido desde sempre -, mas encontro muitas coisas sobre o cumprimento de leis que se tornam mais importantes do que a dignidade e as necessidades do Homem. Mas o que eu quero, para já, não é argumentar a favor ou contra a contracepção - é invocar o direito a que os meus argumentos sejam levados a sério, e não interpretados com paternalismo ou acusações de ignorância.
Amanhã regressarei ao tema. Para já, fiquem com a argumentação da Teresa Power:
Podes usar as pílulas e os preservativos que quiseres, desde que não estejas a chamar à tua relação um espelho da relação entre Cristo e a Igreja, ou seja, um sacramento. Na sua belíssima encíclica, que classificaste de infeliz, a Igreja condena a contraceção porque ela afasta o amor humano da "imagem e semelhança" do amor divino, que é um amor sem limite, abundante, aberto à vida, verdadeiro. Um católico, ao "casar pela Igreja", isto é, ao receber o sacramento, recebe também a responsabilidade de tornar a sua relação semelhante à relação esponsal entre Cristo e a Igreja. O amor de Cristo não é nunca um amor contraceptivo. Não há volta a dar!
E deixa-me dizer-te, para encerrar o comentário - não comentarei mais sobre este tema - que mesmo que a Igreja dissesse outra coisa, eu nunca voltaria atrás na minha decisão de não tomar medicação para fazer amor. Acho triste um marido permitir à sua esposa tomar medicamentos - a pílula é um medicamento, sabias? - para que ela esteja sempre disponível para o sexo. O ciclo natural da mulher é uma das maiores maravilhas da natureza, e conhecê-lo e respeitá-lo em casal é uma das grandes graças que nós tivemos desde que nos casámos. A fertilidade feminina não é uma doença, não precisamos de medicação para viver uma vida sexual plena e feliz. Planeando naturalmente a nossa família, os dias deixam de ser todos iguais... Graças a Deus, a minha vida sexual é plena e abundante, os meus filhos também são numerosos, mas ainda não engravidei sem o desejar.