Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]




As malditas heranças #3

por João Miguel Tavares, em 25.08.14

A propósito dos meus posts sobre as heranças (aqui e aqui), um jurista anónimo deixou o seguinte comentário:

Numa perspectiva estritamente legal (que é a minha área), digo-lhe que foi a nossa estrutura de direito sucessório que permitiu que o Douro vinhateiro esteja hoje todo ele entregue às mãos do monopólio inglês. 


É que nós fomos (e somos) obrigados a deixar património aos nossos herdeiros legais, o que implica que estes o partilhem entre si e, mais tarde, com os seus herdeiros. Consequentemente, em duas ou três gerações, uma vinha de razoável dimensão acabou espartilhada por uma vintena de pessoas. É manifesto que o mais rentável para todos foi vender a sua parte (o seu quinhão), até porque muitos nem sabiam do labor nem sequer conheciam o parente que lhes deixou tal bem, não tendo qualquer ligação à terra.

 
Já os ingleses deixaram a vinha a um único herdeiro - e nem sequer necessariamente ao filho mais velho mas a quem entenderam que dela melhor tratava - o que lhes permitiu crescer.

 
Não é só na sociedade americana, tão diferente da nossa, que o direito sucessório tem implicações económicas às quais devíamos prestar mais atenção, se é que efectivamente queremos corrigir alguns dos erros do passado.

 

Eu desconheço a história do Douro vinhateiro, e não sei se terá sido esta, ou não, a principal razão para o vinho do Porto ter ficado nas mãos dos ingleses. Mas o argumento parece-me plausível e é absolutamente verdade que a questão do direito sucessório merecia muito mais atenção - é um tema que nunca vejo discutido no espaço público -, devido a uma série de limitações que me parecem abstrusas e típicas de um Estado que insiste em regular todos os aspectos da nossa vida - e da nossa morte.

 

A Fundação Francisco Manuel dos Santos tem um óptimo site chamado Direitos e Deveres dos Cidadãos que responde em linguagem compreensível a inúmeras perguntas do nosso dia a dia, e onde a questão das sucessões é abordada. E aí se aprendem factos tão curiosos como a quase impossibilidade de em Portugal um pai deserdar um filho (a não ser que ele seja um criminoso) ou a dificuldade de verdadeiramente diferenciar os filhos nas heranças.

 

É que se eu ou o caro leitor batermos a bota, e a partir do momento em que temos mais do que um filho, só um terço da herança está verdadeiramente nas nossas mãos - só com esse terço é que podemos fazer o que nos apetecer. Os restantes dois terços têm de ser obrigatoriamente divididos em partes iguais pelos filhos. Ainda que um tenha cuidado de mim até à morte, e o outro já não me veja desde 1983.

 

Porquê? Porque o Estado Todo Poderoso, como sempre, é que sabe o que é melhor para nós e para as nossas famílias.

 

publicado às 09:55



Os livros do pai


Onde o pai fala de assuntos sérios


Posts mais comentados


Arquivo

  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2017
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2016
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2015
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2014
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2013
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2012
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D