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Perante o meu acumular de queixinhas, escreve uma leitora do blogue, já sem grande paciência para mim:
Com todo o respeito tenho de dizer... que sim, é difícil educar crianças, e sim, a vida muda radicalmente... Mas com certeza que ninguém o obrigou a ter quatro crianças... foi uma opção sua! Elas não pediram para nascer...
Com certeza que não pediram, embora, a bem dizer, a Rita tenha sido intensamente pedida pela Carolina. Espero, no entanto, que ninguém olhe para os meus queixumes, por vezes excessivos, e veja neles alguma espécie de arrependimento por me ter metido nesta coisa de ser pai de uma família numerosa.
Quando eu falo numa "educação para o desprazer", e faço questão de a distinguir da noção mais comum de sacrifício, é exactamente para estarmos preparados para aguentar o embate do stress quotidiano sem sermos esmagados por ele, tendo em conta que o fazemos em nome de um bem maior, que são os nossos filhos.
Todos nós, crianças, adultos e outros animais domésticos, necessitamos de ser treinados para aquilo a que tecnicamente se chama "adiamento da gratificação". A "educação para o desprazer" é apenas um nome mais bonito para esse adiamento da gratificação, que no caso dos filhos pode significar penar durante muitos anos até eles deixarem de ser lagartas e se transformarem em lindas borboletas.
Simplesmente, quando muita gente gasta o seu tempo a fingir que tudo na paternidade é borboleta, os momentos-lagarta (que são imensos) podem ser devastadores. Eu gosto, de facto, de alertar para isso, porque numa certa fase da minha vida esse embate foi realmente difícil para mim, e cheguei a achar-me o pior pai do mundo por não conseguir retirar maior prazer da paternidade.
Agora, saltar daí para o argumento "as crianças não pediram para nascer" é um pulo argumentativo capaz de bater o recorde mundial do salto em comprimento. Não preciso, com certeza, de o dizer, mas digo na mesma: tenho o maior orgulho nos meus filhos e não estou a pensar vendê-los para ampliar a minha biblioteca, ok?
Uma pessoa tem filhos por inúmeras razões, e suponho que todas elas se misturem, desde as menos românticas - o relógio biológico que faz tic-tac - às mais românticas - um grande amor que deseja completar-se em forma de família. Todas elas são verdadeiras, acho eu.
Mas há uma coisa que me parece extremamente importante: a capacidade de nos projectarmos no futuro. Há uma espécie de teleologia familiar e amorosa que sempre me pareceu essencial, tanto para avaliar a firmeza de uma relação (será que eu quero ficar com esta pessoa até ao dia em que ambos tivermos dentaduras postiças enfiadas num copo da casa de banho?), como para avaliar a necessidade de uma família (será que se eu chegar aos 70 anos sem filhos sentir-me-ei realizado?).
E embora eu tenha sempre inúmeras dúvidas quanto ao presente, quando me projecto no futuro consigo responder com surpreendente facilidade àquelas questões. É até possível que me venha a enganar. É claro que tudo pode sempre desabar. É óbvio que ninguém deve dizer "desta água não beberei". Mas neste momento tenho suficientes certezas nas respostas àquelas perguntas, o que, sendo eu um filho da suspeita, não é coisa pouca.
Em resumo, não se confunda cansaço, frustração ou sofrimento com alguma espécie de arrependimento. Eu adoro estar sem eles, mas não consigo imaginar o que seria ficar sem eles.
O António Variações já explicou tudo há 30 anos: