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Hoje é um dia muito importante para a Carolina: a esta hora, ela está a fazer o primeiro grande exame académico da sua carreira - a prova de aferição de Português do 4.º ano. Na próxima quarta-feira será a vez da prova de Matemática.
Eu sempre fui a favor deste tipo de exames. O final do ensino básico é uma altura muito importante na vida deles, e acho muito bem que os seus conhecimentos sejam avaliados. Mas há um "mas", que tem mais a ver com os adultos do que com as crianças. Acho óptimo que os miúdos sejam examinados; acho péssimo, estando a falar de putos com 10 anos de idade, que os pais e os professores coloquem em cima dos seus ombros uma pressão excessiva.
Ou seja, acredito que as crianças estão preparadas para fazerem testes e devem fazê-los - afinal, elas levam com provas de avaliação ao longo de toda a escolaridade. Mas tenho dúvidas acerca da sua preparação para lidar com pais stressados e professores de escolas demasiado competitivas, que interrompem as lições curriculares com um mês de antecedência só para preparar as crianças para os exames.
Como ninguém quer fazer má figura - e como a avaliação da performance das escolas é um critério cada vez mais relevante para pais e ministério da Educação -, tenho a sensação de que nalgumas escolas e em algumas famílias a pressão pela performance de excelência possa ser contraproducente. O Público trazia ontem um belo trabalho sobre o tema, onde se alertava para os perigos da transformação das escolas em "centros de treino" para exames.
Sei do que falo. A coisa, antes de começar a enervar os filhos começa a enervar os pais, e já tive algumas discussões com a excelentíssima esposa sobre o tema, onde me vejo no triste papel de molengas doméstico - logo eu, que sou adepto de uma educação austera e expurgada de mariquices.
A minha posição sobre o estudo caseiro acompanhado já foi exposta aqui e aqui, mas quando os exames apertam há certas filosofias mais difíceis de pôr em prática, sobretudo porque a Teresa insiste em que eles trabalhem mais em casa e combatam as suas dificuldades - até porque há sempre novas dificuldades que vão surgindo, à medida que as matérias se complexificam.
Mas eu mantenho-me na minha enquanto eles tiverem boas notas - estudar é, em primeiro lugar, responsabilidade deles, não dos pais. No mundo perfeito, e a partir da idade da Carolina (aos seis ou sete anos eles ainda são muito pequenos e falta-lhes sentido de responsabilidade), os pais só deveriam intervir a pedido dos próprios. Género: "Papá, há aqui uma matéria que não percebo. Importas-te de me explicar?"
A verdade - se calhar sou eu que sou ingénuo - é que acho que a Carolina faz isso. Ela em casa parece às vezes um pouco baldas, mas não acredito que seja assim na escola - é demasiado competitiva, e tem demasiado prazer em ser a melhor, para que se deixe levar pelo desinteresse académico. Além de que teve cinco a Português e a Matemárica no segundo período - ou seja, provou a sua competência e deu mostras de merecer a minha confiança.
E tendo ela provado até ao momento ser uma óptima aluna, eu entendo não ter o direito de lhe impor três ou quatro horas de estudo num fim-de-semana sobre matérias que ela diz dominar - e, sobretudo, depois de andar a fazer essa mesma preparação durante cinco dias por semana na escola.
A Teresa, claro, é mais desconfiada, e quer ver com os seus próprios olhos - via testes e trabalho a sério - essa competência. E, portanto, acusa-me de, com a minha atitude "ela é que sabe e não a chateies excessivamente", estar a demitir-me das minhas responsabilidades e a fazer o joguinho da minha filha mais velha. E como a Carolina escuta certas conversas atrás das portas, já percebeu a existência dessas divergências e, esperta que nem um cuco, utiliza-as nas suas actividadezinhas de manipulação parental.
Mas lá está: visto a uma certa distância, ou seja, visto daqui mesmo, frente a um ecrã de computador que me ajuda a pensar, eu mantenho-me fiel à minha filosofia da autonomia e da responsabilidade. Enquanto a Carolina provar e cumprir, ela tem direito a definir os seus métodos de trabalho e de estudo. Até porque tenho, de facto, imenso medo em pressionar demasiado miúdos desta idade - facilmente transferimos para eles os nosso nervos e, depois, estão uma pilha na hora de fazer o exame.
Ainda há pouco, só de estar a entrar numa escola nova onde não conhecia a sala e não via os colegas, parecia uma barata tonta. Em vez de perguntar calmamente a uma auxiliar onde deveria dirgir-se, desceu a correr as escadas da escola para me vir apanhar à porta de entrada (os pais não podiam entrar na escola), para eu a ajudar. Lá tive eu de explicar ao senhor da porta que tinha mesmo de me deixar subir, porque ela estava já toda tremeliquenta e à beira da choraminguice. Ele deixou - e é por isso que gosto tanto de Portugal.
A Carolina sempre teve a enorme qualidade não se enervar, de ser super-optimista, de achar que é capaz de tudo e um par de botas na hora de ser avaliada. Isso são enormes virtudes quando se entra numa sala de exame, e saber na ponta da língua a diferença entre determinantes possessivos e determinantes demonstrativos não compensa a perda da sua postura zen.
Claro que uma coisa não impede necessariamente a outra, mas no caso da Carolina prefiro não arriscar. E se eu sempre lhe disse "confio em ti desde que tenhas boas notas" não vou mudar de filosofia só porque se aproxima a GRANDE PROVA DE AFERIÇÃO. Eu sou totalmente pela exigência, não desculpo más notas, acho que estudar é o trabalho deles e o devem levar muito a sério. Mas também não exageremos, caraças. São putos de dez anos. Estão na quarta classe, por amor de Deus. Querer transformá-los já em mini-adultos à beira de entrar na universidade é uma homérica palermice.
E sabem porque é que, no fundo, no fundo, essa homérica palermice acontece? Porque hoje em dia damos demasiada atenção aos nossos filhos. Essa é que é essa. Se às vezes pensássemos mais em nós e menos neles, tudo seria muito menos complicado. Infelizmente, estamos tão habituados a que os filhinhos sejam o centro das nossas vidas, que às tantas já não conseguimos fugir à força da sua gravidade e deixar de orbitar em seu redor.