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A pedido de várias famílias, que já estavam mortinhas por me verem ir a pé até Fátima, eis as notas nos exames nacionais de quarta classe da Carolina, cujas peripécias acompanhei aqui, aqui, aqui e aqui:
Português: 91%
Matemática: 91%
Ou seja, notas perfeitas. Satisfaz Muito Bem em ambos os testes, mas com uma certa margem de progressão, e não notas altas a um ponto que me obrigassem a arrastar-me penosamente pela Estremadura até à azinheira de Ourém. Agora falta saber as notas do Tomás.
A Carolina achou o exame de 4.º ano de Matemática um pouco mais difícil do que o de Português, e portanto, quando nos encontrámos durante a tarde de ontem, ela trazia meticulosamente dobrada na sua bolsa a folha de rascunho que lhe havia sido fornecida durante o teste, para tirar comigo algumas dúvidas.
Embora eu sempre tenha detestado corrigir testes mal eles acabam - sempre preferi esperar primeiro pela nota e depois ver o que estava mal, para evitar desnecessárias angústias -, lá estive a ver os "três problemas" em que ela teve maiores dificuldades. A folha era esta:
Pelos desenhos dela, as notícias pareceram-me boas: acho que acertou nos três problemas que classificou como mais difíceis. Todos eles, pelos vistos, ocorreram na primeira parte do exame. E devo dizer que também gostei do profissionalismo dos desenhos - pareceu-me que tinha ali uma menina concentrada naquilo que estava a fazer.
Isto, claro, até virar a folha de rascunho e analisar os raciocínios a propósito da segunda parte do exame. Para além de ângulos obtusos, rectos e agudos, o que se via era isto:
Desenhos de personagens dos Angry Birds, dos dois professores vigilantes e um auto-retrato a dizer: "Quero passar no exame!"
Perguntei-lhe que raio era aquilo e ela respondeu-me que já tinha acabado e revisto o teste e ainda faltavam dez minutos. Portanto, entreteve o tempo a desenhar.
Tentei explicar-lhe que essa não era a melhor forma de aproveitar o tempo livre num teste importante. Ela não me ligou grande coisa. Mas, pelo menos, existe nisto um lado positivo, que tem a ver com conversas já tidas neste blogue: perantes aqueles devaneios gráficos, não se pode dizer que a rapariga estivesse minimamente angustiada durante a prova.
Ou seja, desaprovo os desenhos da Carolina ao mesmo tempo que gosto bastante deles. Até porque anda a desenhar bem. É um orgulho, esta filha.
A Ana Sousa deixou uma pergunta interessante nos comentários a este post:
Qual seria a sua reacção se a Carolina reprovasse?
A pergunta é uma boa pergunta. Eu diria que depende muito. Se há regra fixa que eu aprendi ao fim de quatro filhos é esta: não há regras fixas. Depende do filho. E depende do contexto.
No caso da Carolina, se ela reprovasse provavelmente levaria um castigo dos grandes, na medida em que falhara o compromisso que assumira comigo e com a sua mãe. Dissera-nos que sabia a matéria toda e, afinal, era mentira. Sendo estudar o seu trabalho, ela havia sido incompetente, e teria de sofrer as consequências disso.
Mas devo dizer que, recentemente, a Carolina fez uma prova de piano que lhe correu mal. Mais exactamente, correu-lhe mal quando comparado com aquilo que se tinha esforçado, que naquele caso, e para ela, fora bastante. Trabalhou muito para aquela prova, mas quando lá chegou enervou-se um bocadinho, tinha muita gente a olhar para ela, e tocou mal.
Aí não fiz mais nada além de confortá-la, até porque já lhe tinha dito o mais importante antes da prova: "Não te preocupes, porque o papá viu que te esforçaste. Se correr bem, excelente. Se correr mal, paciência, tu fizeste o teu melhor."
Suponho que o segredo esteja exactamente neste "fazer o seu melhor". Quem dá o que tem a mais não é obrigado. Há miúdos com capacidades muito diferentes. Não tenho dúvidas acerca das capacidades escolares da Carolina e do Tomás, portanto eles não têm desculpas para terem notas fracas. Tenho algumas dúvidas em relação às capacidades escolares do Gui - ele preocupa-me bastante mais, porque os seus circuitos cerebrais são de um outro tipo, funcionam a outra voltagem.
Tudo isto tem de ser gerido com pinças. Citando o barbudo Marx, que é coisa que fica sempre bem, a filosofia é esta: "De cada qual, segundo a sua capacidade; a cada qual, segundo as suas necessidades." Como forma de governo de um país não é, como já se viu, grande coisa. Mas como forma de governo de uma casa, na gestão da vida familiar, parece-me um óptimo conselho.
Eu recuso-me a ser mole com eles, mas também não quero ser injusto. Claro que nunca é um equilíbrio fácil, essa dosagem entre exigência e complacência. Mas é o que torna isto de educar filhos realmente giro e desafiante.
Já agora, só para os curiosos que querem conhecer o desenrolar da coisa, parece que a experiência do exame de Português não foi nada desagradável para a Carolina.
Ela disse que o teste era "muito fácil" e que lhe correu bastante bem. Segundo ela - em mais uma manifestação da sua habitual modéstia - vai ter "99%", já que em todo o exame só teve "um erro", e foi "de ortografia". Ah, ah, ah.
Isto, sim, é a minha filha mais velha em todo o seu esplendor, sempre capaz de convidar o planeta inteiro a prestar vassalagem ao seu umbigo. Claro que ela não vai ter 99%, e muito menos apenas um erro de ortografia num exame nacional de Português (iria a pé até Fátima se tal acontecesse), mas gosto de a ver assim, autoconfiante e saudavelmente inconsciente, em vésperas do exame de Matemática.