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Eu diria que a publicação do post mais tétrico de todos os tempos no Pais de Quatro ficou inteiramente justificada com a extraordinária partilha desta leitora anónima, que aqui deixo para todos poderem ler no corpo principal do blogue. Muito obrigado a ela, quem quer que seja:
É curioso ter-se levantado a questão sobre se existe ou não uma relação directa entre a grandeza da dor da perda de um filho e a sua idade. O que veio de imediato ao meu pensamento, enquanto lia o post, foi a dor imensa e insuportável que, mês após mês, tratamento após tratamento, nos assolou e quase me destruiu (não fosse a força do meu amor e companheiro!) sempre que o filho que tanto desejávamos não surgia na nossa vida. De cada vez, essa dor vinha renovada e mais pesada, acumulada, mês após mês, tratamento após tratamento, e era vivida duma forma quase irracional porque eu sentia (e ainda sinto quando revivo esse período...) saudades dos filhos que nunca tive.
Paralelamente, ainda tinha de suportar o "Então? Quando é vêm os filhos?" . A partir duma determinada altura, para nos deixarem em paz, começamos (por minha iniciativa) a responder que não queríamos ter filhos. Depois desta resposta, ficava um silêncio constrangedor da outra parte que acabou por neutralizar estes ataques indiscretos ao nosso sofrimento. Por outro lado, também era quase insuportável ouvir, por parte de quem sabia o que se passava connosco, coisas como “deixa lá, se não conseguirem podem adoptar”, “há tantas crianças que precisam de uma família e se calhar o vosso filho já está à vossa espera”, … tudo dito com muito amor, muita amizade, muita vontade em nos afagar a alma, mas sem a percepção do desejo infinito de ter um filho feito por nós e não o conseguirmos ter. Houve alturas em que senti que, sendo um casal infértil, tínhamos a obrigação social de aceitar essa condição e avançar logo para a adopção (fica aqui o mote para uma discussão sobre este assunto).
Bom, depois vieram os nossos dois nafagafinhos e essa dor ficou guardada aqui, num cantinho que é só dela, e eu fico mais tranquila e em paz relativamente às saudades que ainda sinto dos filhos que tanto desejei e que nunca tive, quando olho para estes filhos felizes, saudáveis, lindos e tão, mas tão!, desejados e penso que estes são os filhos que nós tínhamos de ter.
Quanto ao "automatismo" do amor de uma mãe por um filho/a, a minha experiência também é um pouco diferente da experiência "romântica" de ser mãe relatada pela maior parte das mães que conheço. Os meus filhos são gémeos mas, quando nasceram, a T. precisou de cuidados neonatais e, portanto, só o E. ficou comigo logo após o nascimento. Eu e o E. tivemos alta do hospital e a T. ficou internada na neonatologia. Claro que eu ia todos os dias ao hospital mas tinha outro filho recém-nascido em casa para cuidar e amamentar e, nas primeiras semanas de vida, eu senti que aquele bebé que estava no hospital e que era meu, também era um estranho que eu tinha de conquistar. Ao fim de 3 dias eu já conhecia tão bem o E.: sabia se o choro dele era sono, fome, fralda, frio, calor ou miminho e não conseguia acalmar os choros da minha T...
Finalmente, a T. teve alta e eu estava determinada a conquistar aquela bebé que ainda não tinha tido oportunidade de conhecer. Aí, veio um novo contratempo: o E. precisou de fazer sessões de fisioterapia 3x/semana e, como eu é que tinha a licença de maternidade, obviamente, era eu que o levava às sessões. Eu passava muito mais tempo com o E. do que com a T.. A T. ficava com uma das avós e isto foi assim até ao ano de idade. À medida que o tempo passava, crescia em mim um sentimento de culpa enorme por perceber que a minha relação com cada um deles era tão diferente. Cheguei a pensar que o meu amor por ele era maior do que por ela. Mas não! O que aconteceu foi que houve um conjunto de circunstâncias que fez com que eu demorasse mais tempo a conquistar e desenvolver a minha relação afectiva com a T..
Para mim, foi estranho ter esta experiência da maternidade. Estava convencida de que eles iriam nascer e ia haver logo um click igual por cada um deles, mas a verdade é que eu tive de "aprender" a minha filha e acho que só ao fim de 2 anos é que a conquistei em pleno. Nunca a amei menos do que a ele, nem a vou amar mais do que a ele, mas a vida quis que eu demorasse mais um pouco a conhecê-la.
Por causa deste Diálogos em Família, os leitores levantaram uma velha questão, mas que realmente nunca abordámos neste blogue:
E pode acontecer amar-se mais um filho do que outro?
Só consigo responder a partir da minha experiência pessoal, como é óbvio, e no meu caso a resposta é não, ainda que com nuances. Ou seja, não, não consigo dizer que gosto mais de um filho do que do outro, e no pacote até já incluo a Ritinha. E digo "já incluo a Ritinha" porque acho que a ligação a um bebé vai evoluindo com o tempo. Eu não tinha com ela aos três meses a mesma relação que tinha com os outros, mas hoje, a caminho dos 17 meses, já faz definitivamente parte da pandilha.
Quais são as nuances, então? As nuances têm a ver com compatibilidades de feitios, que certamente se irão aprofundar com o correr do tempo. Com quatro filhos, uns terão gostos e personalidades mais próximos dos meus, e é natural que, a partir daí, desenvolva mais afinidades com uns do que com outros. Tal como é possível que determinados filhos tenham carácteres mais marcados e meritórios (o Tomás, neste momento, tem uma sensibilidade comovente, quando comparada com a dos outros irmãos). Isso não implica a canalização de mais amor para A do que para B, mas sim diferenças inevitáveis nas relações entre nós.
É, aliás, o sentido da abordagem da anónima que comentou a 20.01.2014 às 16:37, na qual me revejo:
Eu tenho dois filhos que amo da mesma maneira. Eles estão a ficar crescidos e cada um está a ganhar a sua personalidade e a verdade é que um deles se enquadra mais na minha e eu na dele.
Amo os dois igual, tenho a certeza, mas dou-me melhor com um deles, converso mais... Saímos juntos, vamos passear... O outro não gosta de ir, prefere ficar em casa... Não estou a preterir o outro, não mesmo. É mesmo uma questão de personalidades.
Visto de fora, acho que pode parecer que "gosto" mais de um do que do outro, mas não é verdade, e quando falamos nisso lá em casa, eles próprios sabem que há diferenças, sim, mas não no amor, apenas no relacionamento, porque somos todos diferentes uns dos outros!
Suponho que alguma coisa destas se possa vir a passar comigo, ainda que por enquanto a família ande toda atrás uma da outra.
Mas diferenças reais no amor? Basta ver a nossa reacção instintiva quando achamos que algum - qualquer um - se magoou. Estou certo que a velocidade a que saímos disparados é igual para todos eles. E há-de ser assim, suponho, até que estejamos caquéticos e já não consigamos correr.
A revista brasileira Isto É tem aqui um bom texto sobre esse tema. E um gráfico que vai ao encontro ao que aqui estive a dizer:
- Papá, tu tens filhos favoritos?
- Tenho, Carolina.
- Quantos?
- Quatro.