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O Tomás anunciou-me ontem à noite que conseguiu dar 25 toques seguidos com a bola num dos intervalos da escola.
Eu nunca na minha vida consegui dar 25 toques seguidos com uma bola.
O Tomás tem oito anos.
Eu tenho 41.
Suponho que nunca estejamos preparados para este momento: o dia em que um puto nos ultrapassa numa actividade que sempre gostámos muito de praticar, mesmo que nunca tenhamos tido jeito para ela.
Cá em casa tenho três tipos de loucos por futebol:
- Um, que adoraria ser um verdadeiro craque (leia-se "verdadeiro craque em potência", cujas hipóteses de sucesso foram goradas por um pequeno problema de balneário e pela falta de vontade dos seus papás em que ele se transformasse num menino cujo cérebro fosse uma brazuca), a quem chamam mini-Ronaldo na escola, e que passa o dia com uma bola nos pés. Uma "a sério", na escola, e outra em casa, bibelôs-da-mamã-friendly, made by IKEA, que o acompanha em todas as suas deslocações e tarefas domésticas (seja comer, dormir, estudar ou idas ao WC).
- Outro, mais pequenote, que adora o seu mano-craque da bola e que, apesar de não ter uma pinguinha de jeito para manobrar o esférico, não desiste de seguir o seu irmão para a escola com uma bola igual à dele, mas em miniatura, e umas gigantes luvas para ajudar o mano na necessidade permanente de ter à sua disposição um guarda-redes.
- Outro, mais entradote, que não perde uma oportunidade para dar uns chutos na bola, seja com mini ou macro-craques, e organiza toda a sua agenda (e a da sua família) de acordo com as marcações dos jogos do Benfica (mas nem pensar em assumir isso em voz alta). E de cada vez que o seu clube perde um jogo fica mais rabugento do que o capitão Haddock quando lhe roubam a garrafa de rum.
No meio disto tudo, passo o dia a levar com bolas na cabeça, a tratar feridas resultantes dos combates pelo esférico, a calar choros por fintas mais entusiasmadas e rasteiras por falta de fair play, a aturar rabujices por ter a veleidade de sair de casa para alguma actividade em família e não voltar a tempo do início do jogo do Benfica...
Help!!!
Mamã – Está? Olá, Guigui.
Gui – Olá, mamã (voz de sono).
Mamã – Dormiste bem? Acordaste outra vez muito cedo, não foi, galinho da manhã?
Gui- Não dormi lá muito bem. O Tomás estava sempre a invadir o meu território.
Mamã – Ahn??? Olha, porta-te bem e não te zangues com o mano. Ajuda a Memi e a Zé. Passa lá ao Tomás, que estou cheia de pressa.
Gui – Está bem. Adeus, mamã.
Mamã – Adeus, Gui.
Tomás – Olá, mamã.
Mamã – Olá, Tomás. Já estou cheia de saudades. Dormiste bem? O que estás a fazer?
Tomás – Tudo bem (muito rapidamente). Mamã?
Mamã – Sim?
Tomás – Como é que ficou o jogo do Benfica.
Mamã – Ahn??? Não tenho a certeza, mas acho que o Benfica deve ter ganho, porque o papá estava bem disposto ontem à noite.
Tomás – Quantos golos marcou? Quem é que marcou os golos? O Artur fez alguma grande defesa? Pergunta ao papá.
Mamã – O papá ainda está a dormir. Nós chegámos a Lisboa muito tarde. A mamã é que já vai a caminho do trabalho. Espera, que eu vou ver na internet e depois digo-te, está bem?
Algum tempo depois…
Mamã – Tomás, o Benfica ganhou 2-0. Marcaram o Maxi Pereira e o Sálvio.
Tomás – E foi na primeira parte ou na segunda?
Mamã – Espera, deixa ver – o primeiro aos 25’ e o segundo aos 72’. E diz aqui que o Artur defendeu uma grande penalidade.
Tomás – Boa! E amarelos, houve?
Mamã – Sim, parece que o Enzo Pérez levou um logo no início do jogo, mas não foi para a rua.
Tomás – Fixe. E houve mais alguma oportunidade?
Mamã – Diz aqui que o Nico Gaitán quase que marcou o terceiro no final do jogo.
Tomás – Ohhh. Ok, já não precisas de acordar o papá.
Mamã – Está bem. Então beijinhos.
Tomás – Beijinhos.
Se alguém me dissesse que um dia eu iria andar na net às oito e meia da manhã de uma segunda-feira a fazer pesquisa sobre cruzamentos, golos, amarelos e penáltis, eu ter-me-ia rido na cara dele. A maternidade é assim. Nunca pára de nos surpreender.
Foto: Miguel A. Lopes/Lusa
Ontem à tarde o Tomás e uma amiga sua (mais a mãe do Tomás) insistiram muito comigo para irmos jogar à bola para um parque próximo da nossa casa, onde há um campo que já é velho mas que agora tem balizas novinhas em folha. Os miúdos costumam ser doidos por balizas verdadeiras.
Lá fomos, mas como já estávamos perto das cinco da tarde, ambas as balizas estavam ocupadas. À volta de uma delas estava um enxame de 12 ou 13 putos, com um guarda-redes e duas equipas. À volta da outra estava um único pai e um único filho.
Para meu grande espanto, o Tomás, que costuma ser um envergonhado de primeira, foi ter com o solitário pai (o prazer do futebol dá-lhe uma insuspeita coragem) e perguntou-lhe se nós podíamos jogar com ele e com o filho. Respondeu o pai:
- Ele é que sabe [apontando para o filho], mas vocês têm muito espaço para poderem jogar.
Era verdade quanto ao espaço: havia um bom bocado de campo vazio lá no meio. Só que - claro - não tinha balizas.
Perante aquela resposta do pai, aconteceu o óbvio: o filho disse que preferia continuar a jogar sozinho com o pai, alternando nos pontapés à baliza. E assim continuaram durante uma hora (saíram pouco antes de nós próprios nos irmos embora), pontapé para aqui, pontapé para ali, os dois sozinhos a jogar à bola. Confrontados com a nega, nós acabámos por nos juntar a um outro par de miúdos que chegou a seguir, improvisámos umas balizas no meio do campo, e divertimo-nos na mesma.
Claro que eu não tinha o direito de dizer nada àquele pai - não houve ali nenhuma injustiça evidente cometida. Eles tinham chegado primeiro, apanharam a baliza, e não eram obrigados a aturar-nos. Mas a verdade é que continuo a remoer isto desde ontem, sobretudo por me irritar profundamente a incapacidade daquele pai em perceber o péssimo exemplo que deu ao seu filho.
Nunca perceberei porque se deve perder uma oportunidade para se ser generoso num caso como este, quando é tão fácil sê-lo. Para quê pai e filho ficarem fechadinhos junto de uma baliza, quando um dos encantos do futebol é precisamente ser um desporto colectivo onde cabe sempre mais um?
O filho até podia ser um tímido do caraças e ter vergonha de jogar com os outros. Mas aquilo que aquele pai fez naquele momento foi valorizar o egoísmo e o auto-centramento daquela criança, em vez de a enturmar com miúdos da idade dele. Já que por aqui não me deixam dar nalgadas aos filhos, acham que posso ao menos dar umas nalgadas aos pais?
Menos educativo do que um concerto da Miley Cyrus, só mesmo os comentários de um jogo de futebol envolvendo a selecção portuguesa.
- Meninos, estão a ouvir estes senhores na televisão a dizer que o árbitro roubou Portugal?
- Sim, papá.
- Não ouçam, está bem? Ponham salsa nas orelhas.
- Porquê, papá?
- Porque Portugal levou um baile do caraças e o árbitro não joga à bola. Só quem não sabe perder é que se queixa sempre do árbitro. É um péssimo defeito. Repitam comigo: "Os alemães é que foram muito melhores."
- Os alemães é que foram muito melhores!
- Bravo, isso mesmo.
- Mas o penálti alemão não foi penálti, pois não?
- Foi, foi penálti.
- O Paulo Bento disse que foi forçado.
- Isso é uma maneira de dizer que foi penálti mas podia não ter sido marcado, o que a acontecer seria um erro maior do que marcar um penálti que efectivamente foi penálti.
- Mas eu ouvi um senhor na televisão dizer que se fosse ao contrário o árbitro não marcava.
- Isso é outra maneira de dizer que foi penálti mas podia não ter sido marcado, o que a acontecer seria um erro maior do que marcar um penálti que efectivamente foi penálti.
- Já disseste isso antes, papá.
- Desculpem, é que as queixas em relação aos árbitros estão sempre em loop.
- O que é loop?
- Esquece.
- E a expulsão do Pepe?
- O que é que tem?
- O Paulo Bento disse que foi forçada.
- Lá está.
- O quê?
- O loop. O Pepe poderia ter levado apenas um cartão amarelo, mas mais estúpido...
- Não se diz estúpido.
- Peço desculpa, mas mais idiota...
- Também não se diz idiota.
- Peço desculpa, mas mais estulto...
- O que é que significa estulto?
- Significa estúpido e idiota. Mas mais estulto do que levar um vermelho foi ter ido colar a sua cabeça ao do jogador alemão, até porque o árbitro nem sequer tinha marcado falta. Além disso, Portugal já estava a perder por 2-0 nessa altura.
- E o penálti sobre o Éder?
- Isso foi penálti. Aí o árbitro prejudicou Portugal.
- Então fomos roubados!
- Vocês também? Portugal já estava a levar três! O árbitro prejudicou-nos um bocadinho, mas mesmo que nos tivesse beneficiado teríamos perdido na mesma. Eles deram-nos um baile. Repitam comigo: "Os alemães foram muito melhores."
- Os alemães foram muito melhores!
- Lindos meninos.