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Dado esta questão da proibição das crianças em certos locais públicos, como hotéis ou restaurantes, me interessar bastante, fui pesquisar um bocadinho. Como se pode verificar através de várias notícias que abordam o tema (aqui, aqui e aqui), os especialistas são unânimes e sublinham aquilo que me parece absolutamente óbvio: é ilegal um hotel proibir a entrada a pessoas só porque elas têm filhos. Não pode fazê-lo. E as pessoas devem apresentar queixa às autoridades competentes se isso acontecer.
Embora um hotel seja propriedade privada, e possa ter um regulamento interno que defina o seu funcionamento (e onde possa, hipoteticamente, constar a proibição de entrada a menores de 12, de 16 ou de 18 anos), ele presta um serviço público e o seu regulamento interno não se pode sobrepor à lei geral, e muito menos a princípios constitucionais, como a protecção da família (artigo 67º) ou o princípio da igualdade (artigo13º), que diz: "Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei."
Impedir crianças de entrar num hotel é uma dupla discriminação: das crianças e dos próprios pais. Afirma Jorge Morgado, da DECO: "É uma questão de ética e de responsabilidade social", um hotel "não pode apresentar essa proibição como um atributo" e os clientes "não podem exigir sossego se isso implicar a proibição da entrada de crianças nos hotéis onde passam férias". Diz o advogado e especialista em turismo Carlos Torres: “um hotel situado em Portugal exclusivamente para adultos viola o n.º1 do art.º48 do Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos, que de forma imperativa estabelece a liberdade de acesso”.
Eu confesso-me espantado com a quantidade de pessoas que nos comentários deste blogue ou no Facebook se mostraram tolerantes em relação a esta prática. A própria Ana Garcia Martins perguntou:
Eu gosto muito do meu rico filho, e gosto muito de o levar comigo, mas se há um fim-de-semana em que me apetece ir descansar sem ele porque é que me vou enfiar num hotel onde tenho de aturar os filhos dos outros?
A resposta é simples: porque o direito dos outros a terem lá os filhos se sobrepõe ao nosso direito ao descanso. Não ser discriminado é um direito constitucionalmente protegido, enquanto poder repousar que nem um nababo no silêncio dos deuses, embora super-fixe, não entrou para a Constituição.
Nesse sentido, eu estou-me bem nas tintas que haja, como diz a Ana, "300 mil milhões de hotéis à escolha". Felizmente, não há segmentação de mercado para direitos fundamentais. Nem que seja só um a dizer não às crianças. Não pode.
Claro que se as criancinhas se portarem mal e os pais não se comportarem decentemente, o hotel tem todo o direito de lhes chamar a atenção e, em última análise, correr com eles. Mas obviamente não pode ser permitido, logo à partida, discriminá-los em função da sua idade.
E não me venham com o argumento de que as crianças não entram em bares, discotecas ou casas de strip. As crianças não entram nesses locais para serem protegidas de práticas reservadas a adultos. Agora esta ideia de serem os adultos a ter necessidade de serem protegidos das crianças não lembra ao diabo, desculpem lá. Os putos podem ser insuportáveis? Podem, claro. Mas são gente. São pessoas com direitos. E convém respeitá-los.
A Ana Garcia Martins respondeu ao meu post sobre o seu post na caixa de comentários. Prometo responder amanhã de manhã, mas para já deixo-vos com a sua argumentação:
"Acho mal negar a entrada a crianças, como acho mal negar a velhos, a negros, a amarelos, a ciganos, a paraplégicos, a homossexuais ou a transsexuais"
Sempre foste um grande exagerado, pá! O que é uma coisa tem a ver com a outra? Tanto quanto me parece ser lógico perceber, as crianças são recusadas em hotéis porque, à partida, têm mais potencial para fazer barulho, para berrar, para se atirarem em bomba para as piscinas, para atirarem uns copos ao chão durante o jantar. Comportamentos que, em princípio, não são expectáveis em adultos. Sejam eles "velhos, negros, amarelos, ciganos, paraplégicos, homossexuais ou transsexuais".
E é claro que era óptimo que os pais percebessem que há sítios para os quais não é conveniente levarem os rebentos, mas achas mesmo que todos os pais têm esse discernimento? Óbvio que não têm. Por isso tem de ser o hotel a impor essa "limitação", se assim lhe quiseres chamar. Já estive no spa de um hotel, um sítio de suposta paz e sossego, onde havia adultos a atirarem crianças para a piscina, tudo aos berros, um verdadeiro carnaval. Posto isto, achas mesmo que TODA a gente é conhecedora dos seus limites? Tens muita fé na espécie humana. Eu gosto muito do meu rico filho, e gosto muito de o levar comigo, mas se há um fim-de-semana em que me apetece ir descansar sem ele porque é que me vou enfiar num hotel onde tenho de aturar os filhos dos outros?
De qualquer forma, há 300 mil milhões de hotéis à escolha. No meu caso, e como não pude levar o Mateus para aquele, optei por escolher outro, não fiquei nada chateada ou melindrada com a situação. E quando me apetecer ir para um sítio só com o Ricardo vou voltar a lembrar-me desse tal hotel onde não aceitam crianças. Ao menos sei que não te vou encontrar por lá! Ah ah ah! Beijo!
Estava a ler este post da Ana Garcia Martins sobre uma saída dela em família, e fiquei com os olhos em bico. Começa assim:
O fim-de-semana passado quisemos ir para fora, mas para perto. Íamos com o Mateus e não nos apetecia fazer grandes viagens. Liguei para o sítio que tinha pensado inicialmente, mas não aceitavam crianças. Sem problemas, acho óptimo. De facto, tendo em conta o sítio que é, faz muito mais sentido que assim seja, e acho de louvar que haja sítios que promovam as sopas e o descanso, sem berrarias pelo meio. Mas como desta vez queríamos mesmo ir com o Mateus, este sítio ficou agendado para outras núpcias e passámos ao plano B.
Este post levanta uma questão com a qual já me deparei noutros lados, e que as pessoas, em geral, levam com benevolência: locais que não aceitam crianças. Pois eu, ao contrário da Ana, não acho nada "óptimo". Aliás, não só não acho óptimo como tenho imensas dúvidas que devesse ser permitido a um hotel recusar a entrada de crianças, por mais romântico e zen que ele seja. Não, não deveria ter de existir um plano B. Não, não deveríamos aceitar de braços cruzados esta espécie de pedofobia, que mantém o ruído indesejável das criancinhas longe dos nossos frágeis ouvidos.
É evidente que há sítios onde são os próprios pais que se sentem mal em ir com os filhos. Porque o ambiente não convida a isso, porque os preços são impraticáveis, porque eles se sentiriam lá deslocados. Não me passaria pela cabeça ir aterrar no Eleven ao jantar com quatro putos pela mão. No entanto, já não acharia nada bem que fosse o Eleven, por sua livre iniciativa, a recusar a minha entrada no restaurante por levar quatro filhos (coisa que o restaurante não faz, certamente).
Donde, esta moda dos hotéis e dos turismos rurais "child free" é altamente duvidosa, por muito liberal que eu seja (e sou). Estou-me nas tintas pelo respeito pelo descanso dos hóspedes e por estragar quaisquer climas. Há princípios que se têm de sobrepor a chatices ocasionais. Acho mal negar a entrada a crianças, como acho mal negar a velhos, a negros, a amarelos, a ciganos, a paraplégicos, a homossexuais ou a transsexuais.
Acho extraordinário que vivendo nós numa era tão sensível a discriminações, se aceite como pacífico a existência de locais que interditem a entrada a crianças, só porque são crianças. Não, não é admissível. Mais: nem sequer deveria ser legal.