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Aproveitando os saldos de miúdos a 50% cá em casa (os dois mais velhos estão com a família), tenho aproveitado para ficar mais tempo no hospital. Por isso, só tenho visto o João de manhã e à noitinha.
Nos últimos dias, porém, parece que de cada vez que lhe ponho os olhos em cima ele está diferente. Não me parece que eu precise de mudar de óculos - é ele que se vai metamorfoseando de manhã para a noite, como se estivesse à procura do seu look perfeito, sem ter que recorrer aos serviços de um profissional de Hollywod. De George Clooney a Brad Pitt, de Tom Selleck a Hugh Jackman, do Imperador Ming a Machete, cada noite tenho um novo galã a passear-se lá por casa.
A novidade é divertida e o meu excelentíssimo esposo é especialmente dotado em fazer por isso. Sorte a minha. O problema é que depois desta saga de barbas, barbichas e cavanhaques, já começo a preocupar-me se ele vai habituar-se ao bigode - e hoje à noite, ao chegar a casa, temo encontrar um Dalí ou um Hercule Poirot à minha espera. Barba ainda vá lá. Mas bigodes excêntricos é que não.
Ah, caros leitores, o que eu já me ri com as vossas respostas ao meu desafio. Agradeço, sobretudo, a oportunidade que me deram para eu gozar com a Teresa, ao acharem que ela tanto poderia ser o menino da direita (que é, na verdade, o meu irmão), como o da esquerda - que sou eu.
Suponho que isso signifique que eu e ela poderíamos ser irmãos - houve quem já pensasse isso, e nos tempos em que éramos namorados.
Para quem disse que a Ritinha era a cara chapada da mãe, podem verificar que ela é a cara chapada do pai - este é um caso em que posso dispensar os testes genéticos.
Quanto ao meu maninho, ao acharem que ele podia ser uma menina também me permitiram uma doce vigança, já que, até aos meus seis, sete anos de idade, eu tinha o cabelo cortado à tigela e uma cara muito redondinha - donde, as pessoas confundiam-me frequentemente com uma miúda, e ele fartava-se de gozar comigo. Agora chegou a sua vez. Embrulha!
Devo dizer que fiquei sobretudo impressionado com as capacidades dedutivas da Ana Azevedo (comentário de 21.07.2014 às 23:31), que a partir de um post antigo sobre Paris recordou a cara da minha sobrinha Catarina e a achou muito parecida com o meu mano Romualdo (sim, o meu irmão chama-se Romualdo - um dia destes tenho de contar a história dos nomes próprios da minha família materna).
Como avisei em boa hora, não há prémios, mas vai para a Ana uma menção honrosa, pelo seu talento sherlockiano.
Não se preocupem: prometo que não vou começar a falar de mim próprio na terceira pessoa do singular. Ainda não cheguei a jogador de futebol. Mas é que recebi na caixa de correio do Pais de Quarto um mail da Ana que dizia o seguinte, a propósito do longo artigo que escrevi no Público de domingo.
Eu, que andava tão entusiasmada com os seus posts sobre pais/ filhos, fiquei ontem, quando li o seu artigo no Público, muito desiludida com uma afirmação sua: “Temos filhos porque tem de ser”.
Desde o começo deste debate, tem-me vindo ao pensamento que poderia lançar no seu (e da Teresa) blogue a pergunta: Porque é que temos filhos?
Vamos por partes. O desafio de lançar a pergunta está aceite, parece-me óptimo, e será efectuado já no próximo post. Por agora, deixem-me só tentar esclarecer aquele "temos filhos porque tem de ser", porque não foi bem isso que eu escrevi, e certamente que a intenção não era dizer que devemos ter filho por obrigação. Coitadas das pessoas que não podem ou não querem ter filhos. A minha frase original é esta:
Se nós pararmos de acreditar que ter filhos é suposto ser uma coisa divertida, e passarmos a aceitar antes que é uma coisa que deve ser feita, e que nos devolverá no futuro, com juros, aquilo que nos tira no presente, talvez o próprio presente se torne mais fácil de suportar.
E é esta aclaração, para utilizar uma palavra agora tão em voga, que me obriga a ir deitar-me no divã, onde me encontro a rabiscar este texto para tentar esclarecer o meu ponto de vista e explicar porque escrevo o que escrevo.
Ao contrário do que muitos possam pensar, eu não escrevo tantas vezes sobre a minha família para tentar mostrar que sou um bom pai. Às vezes escrevo para tentar convencer-me de que sou um bom pai; a maior parte das vezes escrevo para tentar compreender as minhas próprias insuficências como pai, e encontrar caminhos para que eu próprio possa ser mais feliz, mais paciente e estar mais pacificado com a minha própria vida e dentro da minha própria casa.
É uma perspectiva muito egoísta. Mas eu sou um animal a necessitar de permanente domesticação familiar - é provável que boa parte dos homens seja assim. Há um bicho dentro de mim sempre a exigir mais tempo para as minhas necessidades, que me convida a um constante auto-centramento, que me pede atenção a toda a hora. Eu preciso de combater esse bicho.
É assim como nas tentações de Cristo: nós estamos sempre a ser levados - e levados, a maior parte das vezes, por nós mesmos - para o topo de uma montanha de onde se vêem todos os reinos do mundo. E convencemo-nos de que tudo aquilo poderia ser nosso se a nossa vida fosse diferente, se tivéssemos um bocadinho mais de tempo, de não tivéssemos tanta coisa a pesar sobre os nossos ombros.
Dizer "não" a essa terrível tentação que nos quer convencer que somos muito mais do que realmente somos é uma absoluta necessidade minha. É um combate egoísta, mas que, curiosamente, não tem de ser feito só por causa de mim - tem também de ser feito pelos meus filhos.
Quando as crianças são muito pequenas e muito dependentes, a felicidade delas decorre muito da nossa própria felicidade. Eles sentir-se-ão tanto melhor na sua família quanto eu me sentir bem na minha família. Porque dessa forma serei com certeza um pai mais atento, mais paciente, mais carinhoso.
Em linguagem cristã, trata-se de saber morrer para viver de novo - mas eu sou um péssimo cristão. Ou então sou um óptimo cristão, que não concebe esse morrer como puro sacrifício, mas como pura dádiva. Ou seja, a boa entrega - aos teus filhos, à tua mulher, ao teu próximo - tem de ser uma entrega pacificada, e não revoltada. E as minhas entregas - porque eu entrego-me - são, demasiadas vezes, bastante revoltadas.
Daí que aquilo que me interesse, em relação aos filhos, é encontrar mecanismos que me permitam cumprir da melhor forma o meu papel de pai, sem a ganga das frustrações não cumpridas. Aquele "temos filhos porque tem de ser" não é uma obrigação que eu quero impor à humanidade - é um mecanismo que permite desligar-me da tomada do prazer permanente.
Se nós estivermos convencidos de que ter filhos é uma coisa que tem de ser necessariamente divertida, corremos o risco de viver em permanente estado de frustração - porque ter filhos pequenos, boa parte do tempo, não tem graça nenhuma. Mais vale convencermo-nos - é esse o sentido da minha frase - de que é uma coisa que tem de ser feita (quando já temos filhos, como é óbvio), porque assim a alegria virá por acréscimo. Trata-se de receber a alegria como uma bênção, e não como um "tem de ser".
A secularização do mundo deixou-nos míopes, no sentido em que deixámos de ver ao longe. Independentemente da existência de Deus, é muito difícil viver bem só com os olhos postos no presente. Precisamos sempre - eu preciso, pelo menos - de uma teleologia, de ver ao longe um propósito, uma finalidade, não necessariamente num outro mundo, mas daqui a 10, 20 ou 30 anos. Daí agarrar-me com todas as forças que tenho ao dever do presente, procurando criar mecanismos para deferir o prazer para o futuro.
Daí, também, o facto de, nos dias de hoje, o impacto dos filhos nos pais me interessar bastante mais do que o impacto dos pais nos filhos. É puro egoísmo, no sentido em que a minha felicidade, em termos intelectuais (não em termos práticos, claro), me interessa mais do que a deles; é altruísmo, no sentido em que sem essa felicidade própria serei sempre pior pai.
As pessoas parecem muitas vezes esquecer-se de que os casamentos e as famílias não desabam porque as crianças são infelizes. Os casamentos e as famílias desabam porque os pais são infelizes. Daí que a pergunta que me persegue, tanto em termos pessoais como gerais, seja: como encontrar mecanismos para que nós, adultos, sejamos mais felizes dentro das nossas próprias famílias do que somos hoje em dia.
É por isso que estou neste divã. A maior parte das pessoas está concentradíssima em saber como criar e educar os filhos para que eles possam vir a ser felizes. Parece-me muito natural. A minha colega de blogue também está muito interessada nisso. Mas eu continuarei solitariamente, teimosamente, egoistamente, a averigurar como ajudar os pais para que eles próprios (e eu, em primeiro lugar) consigam ser mais felizes, já que sem essa felicidade prévia - ou, pelo menos, sem alguma espécie de pacificação interior - tudo o resto se desmoronará como um castelo de cartas.
Foto de Nuno Ferreira Santos
Hoje, as minhas queixinhas paternas - ou, de maneira mais séria, as minhas reflexões sobre a paternidade no século XXI - fazem a capa da revista de domingo do Público. É um longo texto de 30 mil caracteres sobre o tema, bastante mais elaborado do que é, naturalmente, a minha prática neste blogue. Se puderem, leiam e digam coisas. Ele também pode ser encontrado no site do jornal, aqui.
Era expectável!... O meu excelentíssimo esposo tem que ter sempre a última palavra.
Já toda a família conhece o seu jeito para escrever letras de canções e o Vasco Palmeirim só sobrevive porque ele nunca tornou públicos os seus dotes letristas. A versão que escreveu para o nosso primeiro-ministro (usando a mesma música que usou para o Gustavo) e para o ex-ministro Miguel Relvas foram um hit cá em casa e é pena que nunca as tenha mostrado aqui.
Mas desta vez tinha que lhe responder, nem que fosse para respeitar a afinação do Paulo de Carvalho.
Aqui está ela...