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Ontem à tarde fui ao El Corte Inglés com os três miúdos mais velhos. Cada um deles tinha recebido uns euros após a última visita dos avós, e o Tomás andava há vários dias a pedir-me para ir comprar umas daquelas caixas de soldados em miniatura da Segunda Guerra Mundial, que ele adora.
Lá fomos. Os dois rapazes foram relativamente rápidos a escolher as suas prendas. Já a rapariga de 10 anos está a tornar-se uma verdadeira gaja - estive à vontade 40 minutos com ela só para escolher um biquíni. Enquanto isso, os outros tiveram de se entreter nas mesinhas da Lego que o Corte Inglés em boa hora se lembrou de adquirir.
Várias provas de biquínis depois, o Tomás e o Gui vieram chamar-me para eu ir apreciar o fruto do seu trabalho. Depois, o Tomás fez questão de tirar uma fotografia para mostrar à mamã. A foto é esta, à qual adicionei legenda para que se perceba quais os autores de cada uma das construções.
Eu diria que naquelas duas casas está resumida na perfeição as personalidades dos meus dois rapazes. De um lado, o Dr. Certinho; do outro, o Mr. Anarquia.
Este fim-de-semana nós fomos ver com os miúdos dois filmes: Tia Hilda!, incluído na programação da Monstra, e Lego: O Filme. Tia Hilda! é a última obra saída do prestigiado estúdio francês Folimage e é uma simpática fábula ambientalista, com a vantagem de nos propor uma alternativa visual à cada vez mais formatada animação por computador.
E, no entanto, foi a supostamente formatada animação por computador que me encheu as medidas: Lego: O Filme é um magnífico divertimento, e já não me lembro da última vez que um desenho animado me satisfazia tanto - talvez desde o último filme da Pixar realmente bom (e para isso é preciso recuar até 2010 e a Toy Story 3).
Não quero estar aqui a aborrecer-vos com uma crítica cinematográfica, mas é impressionante como Phil Lord e Christopher Miller, que assumem simultaneamente o argumento e a realização, conseguem fazer tanto com as aparentes limitações gráficas dos bonecos da Lego, que nunca deixam de ser bonecos da Lego, e moverem-se como bonecos da Lego, durante todo o filme.
A única borla visual que é dada aos bonecos está na expressividade dos rostos, que ainda assim são altamente limitadas em relação ao que é habitual. Mas Lord e Miller, dois rapazes ainda na casa dos 30, que já tinham dado muito bem conta de sim no super-inventivo Chovem Almôndegas, transformam essa aparente prisão num festim de imaginação e de tributo ao universo da Lego - até porque a animação não deixa de ser extraordinária, com o digital a representar o plástico com tal perfeição que apetece agarrar nos bonecos que vemos no ecrã e levá-los para casa.
Mas, como quase sempre, é a qualidade do argumento que faz toda a diferença. A acumulação de camadas de sentido é de tal forma sofisticada que do puto de quatro anos ao cinéfilo de quarenta (tipo... eu) não há quem não encontre ali infindáveis motivos de divertimento - então para quem gosta tanto do primeiro Matrix como eu, as piscadelas de olho não acabam.
E, no final, acabamos por perceber que Lego: O Filme é, sobretudo, um comovente tributo ao poder de imaginação, e àqueles que conseguem fugir ao livro de instruções para criar o seu próprio universo (isto apesar de abundar o merchandise que ensina a fazer com livros de instruções os carros e os aviões que supostamente fogem aos livros de instruções - mas essa é a maravilhosa plasticidade do capitalismo).
A prova de que o filme estava certo, e que a sua mensagem foi muito bem apreendida, é que o Tomás - um Mr. Livro de Instruções por exclência -, mal chegou a casa pôs-se a construir os seus próprios Legos, saídos da sua imaginação. Ao fim do dia, veio orgulhosamente mostrar-me a sua construção. E eu fiquei tão contente com aquilo, que estava capaz de dar um beijinho nas bochechas de Chris Miller e Phil Lord, se os apanhasse a jeito.
Cá está a nave espacial feita pelo Tomás, cujo caos criativo, por ser nele tão raro (ao contrário do Gui), me encheu de satisfação.