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Depois do ponto prévio, vamos então responder às objecções da Diana Figueiredo, já que ela levanta questões interessantes sobre a forma como falamos sobre sexo com as crianças. Apresento primeiro os seus argumentos, que constam do seu primeiro e do seu último parágrafo, e respondo logo a seguir.
Acho incrível toda a gente ficar chocadíssima com tudo o que tenha a ver com sexo, ou outras expressões de amor menos convencionais, ou mesmo expressões de puro prazer. Se na televisão mostrarem dois homens a dar um beijo na boca é um escândalo e tapam os olhos às criancinhas; se mostrarem o resultado de um carro armadilhado com pessoas ensanguentadas e outras desesperadas com os filhos mortos ao colo, será que tapam os olhos às criancinhas? Eu tapo.
A questão que a Diana aqui levanta, sobretudo na parte final, tem a ver com desquilíbrio entre as exibições de sexo e de violência, que embora seja um problema que vale a pena ser discutido, diria que é mais uma importação americana do que propriamente uma questão portuguesa. Ou seja, na puritana América é possível que um filme com mais pinanço do que o habitual possa receber a classificação de NC-17 (ninguém com menos de 18 anos pode assistir ao filme, o que nos EUA significa imediatamente uma limitadíssima exibição comercial, já que numerosas cadeias não aceitam filmes para além de R), enquanto um filme com muito tiroteio, muito sangue ou muita violência psicológica passa facilmente com um R (o que significa que gente com menos de 18 anos pode assistir desde que acompanhada por um adulto).
A história das classificações da MPAA é fascinante, complexa e contraditória, mas não vale a pena estar a abordar isso aqui, ainda que muito patrioticamente o NC-17 tenha sido atribuído pela primeira vez a um filme onde é Maria de Medeiros que passa a maior parte do tempo nua (Henry & June, de Philip Kaufman). Mesmo a questão da violência tem várias subtilezas, porque muitas vezes a mera exibição de sangue e da violência dita "gráfica" é estupidamente penalizada, como no caso do relançamento do clássico A Quadrilha Selvagem (1969), de Sam Peckinpah, que em 1993 levou com um inacreditável NC-17.
O que interessa sublinhar é que, em Portugal e no resto da Europa (excepção feita à Inglaterra, claro), muito por influência da cultura francófona, a relação com o sexo está longe de ter o puritanismo americano, e ainda bem. Nós temos com fartura filmes para maiores de 12 anos onde há maminhas ao léu, e ninguém se anda a indignar por causa disso. Mesmo em relação à exibição da homossexualidade, progredimos imenso, não só em termos legislativos, com a admissão do casamento gay, como em termos "visuais": já há telenovelas em horário nobre com personagens gay, e aos poucos verifica-se uma genuína saída do armário, não só dos homossexuais, mas de toda a população em relação à homossexualidade. Convém não esquecer que as práticas homossexuais eram consideradas crime até à revisão do Código de Penal de 1982. Isto foi há pouco mais de 30 anos.
Aliás, a palavra gay é abundamente usada cá em casa pelos miúdos, infelizmente ainda de forma muito preconceituosa (parte do caminho ainda está por fazer, como é obvio). O "tu és gay!" aprendido na escola é muito recorrente, e obriga a várias explicações. Mas isso também pode acontecer em relação ao "preto" ou ao "cigano". Suponho que todas as minorias sofram disso, e compete obviamente aos pais criarem filhos sem preconceitos e respeitadores das diferenças. Cá em casa, tenta-se que a questão do sexo seja tratada com a mesma naturalidade que a questão da cor da pele ou da etnia.
Agora, tanto em relação ao sexo como à violência, convém distinguir as coisas. Beijar não é o mesmo que apalpar, apalpar não é o mesmo que pinar, pinar de forma simulada não é o mesmo que sexo explícito, e nalgum sítio teremos de estabelecer uma linha, ou de outra forma vou começar a mostrar cá em casa a pornografia dos anos 70 aos miúdos, que sempre foi um tema que me interessou. Não é a mesma coisa, hão-de admitir, mostrar a um miúdo de 13 ou 14 anos o Boogie Nights, do Paul Thomas Aderson (que se passa no meio da pornografia americana dos anos 70), ou o Garganta Funda.
Mas isso não se aplica só ao sexo. Também se aplica, da mesma forma, à violência, e até posso dar um exemplo muito concreto. Como vocês sabem, cá em casa há um grande interesse pela Segunda Guerra Mundial, e qualquer miúdo adora tiros e tanques e cenas de acção. Nesse campo, em termos de realismo, nada de melhor foi feito do que O Resgate do Soldado Ryan, de Steven Spielberg, que é um filme classificado em Portugal para maiores de 16 anos. A classificação parece-me correcta. Eu não tenho problemas em mostrar quase todo o filme aos miúdos, desde que devidamente explicado e enquadrado. Já o fiz. Mas nunca lhes mostrei esta cena,
em que Goldberg é morto lentamente com um punhal após uma luta violentíssima com um nazi. Há violência e violência. E esta cena, de um realismo assustador, passa dos limites. Não quero que miúdos de oito ou dez anos vejam uma sequência com tamanho horror e dramatismo.
Voltemos, então, à Diana e ao seu parágrafo final.
O recalcamento do sexo é que cria comportamentos agressivos. Ou os pais acham que as suas filhas menores ainda não sabem o que é se pode fazer com a língua, para além de lamber gelados?
Pelo que atrás ficou dito, espero que se perceba que não se trata de "recalcar" - trata-se de não exibir. Não se trata de eles não saberem o que se faz com a língua para além de lamber gelados, trata-se de não lhes mostrar tudo o que se pode fazer com a língua além de lamber gelados.
Da mesma forma que há certa violência que passa dos limites, parece-me óbvio, diante de imagens como esta, retirada da mesma digressão Bangerz que passou pela Meo Arena,
que o espectáculo de Miley Cyrus também passa dos limites.
Aliás, num comentário deixado no meu Facebook, o leitor Luís Matos fez uma observação muito pertinente:
Nada em Miley é novo ou sequer particularmente inesperado. Ela é o que tiver de ser para que a máquina (que é muito maior do que ela, vos asseguro) possa continuar a facturar. O que é central à questão é que o imaginário da mulher adulta que faz o que bem entende com o canal vaginal (um produto em si mesmo, se quisermos, com procura e oferta, etc.) é misturado em palco com o imaginário infantil que ali a trouxe. A coincidência de ambos no palco é o que choca mais. E, agora sim tomemos opinião pelo que as coisas são, esse facto é reprovável.
Eu não vi o espectáculo, naturalmente, mas pelo que se vê na net posso confirmar que os peluches dançarinos e esta mistura entre imaginários infantis e imaginários porno está toda lá. Ora, tal mistura não é, de facto, para maiores de 6 anos, que era a classificação do espectáculo, sendo que a própria promotora portuguesa organizou comboios da CP onde estavam explícitos descontos para crianças. Ou seja, Miley quer chocar, o que me parece completamente legítimo porque já é maior de idade, quem a vende quer chocar, o que também me parece legítimo porque isso dá $$$$ e nós vivemos numa sociedade capitalista. Só que ambos não querem só chocar adultos ou sacar $$$$ aos maiores de idade - pelos vistos, também querem chocar e explorar as crianças.
E isso, por mais volta que demos ao assunto, não é nada bonito. Existe uma época própria para começar a falar de sexo, outra para começar a ficar completamente fascinado pelo sexo e outra ainda para começar a praticar sexo. Parece-me boa ideia respeitar cada uma dessas fases, em vez de ter aulas de bondage aos oito anos.
É por todos sabermos o poder que o sexo tem, para o bem e para o mal, que convém ter por ele o maior respeito. E mesmo que decidamos que chegou a hora de introduzir as crianças a este tema, eu diria que Miley Cyrus está longe de ser a melhor professora disponível no mercado.
A Diana Figueiredo tem uma opinião muito diferente da minha sobre a questão Miley Cyrus, portanto vale a pena trazer para aqui o seu comentário:
Acho incrível toda a gente ficar chocadíssima com tudo o que tenha a ver com sexo, ou outras expressões de amor menos convencionais, ou mesmo expressões de puro prazer. Se na televisão mostrarem dois homens a dar um beijo na boca é um escândalo e tapam os olhos às criancinhas; se mostrarem o resultado de um carro armadilhado com pessoas ensanguentadas e outras desesperadas com os filhos mortos ao colo, será que tapam os olhos às criancinhas? Eu tapo.
No Facebook permitem partilhas de vídeos de acidentes em que se vêem pessoas cortadas ao meio; mas vídeos com mamas, nem pensar, é imoral!
Os pais proíbem as filhas de ir ver a Miley, pode dar-lhes ideias esquisitas, mas aposto que muitos desses pais já ofereceram um telemóvel/ smartphone a essas mesmas filhas, quando elas ainda tinham 8 ou 9 anos, mesmo podendo estar a contribuir para um cancro, e que as deixam beber Coca-Cola.
O recalcamento do sexo é que cria comportamentos agressivos. Ou os pais acham que as suas filhas menores ainda não sabem o que é se pode fazer com a língua, para além de lamber gelados?
A pergunta é boa. Resposta minha amanhã. Os caros leitores façam o favor de dizer coisas no entretanto.
Uma querida leitora já encontrou o link para a referida reportagem da SIC Notícias. Aqui está ele.
A parte educativa da Miley a bater no mega-bum-bum da senhora vestida de vermelho está por volta dos 45 segundos, e as miúdas ali entre os oito e os dez anos, ainda com buracos à frente da boca por causa da queda dos dentes de leite, mas que mesmo assim já gritam "Miley dá-me a tua língua!", vêm logo a seguir, por volta dos 50 segundos de reportagem.
Mesmo correndo o risco de parecer o Avô Cantigas, não percam.
Acabo de assistir à reportagem da SIC sobre o concerto de ontem à noite da Miley Cyrus (lamento, mas não encontrei o link, se acaso alguém encontrar eu depois coloco), e qual não é o meu espanto quando vejo umas miúdas de nove ou dez anos a comentarem entusiasmadíssimas o espectáculo, como se ainda estivéssemos a falar de uma visita da Hannah Montana a Lisboa.
Embora a Miley me irrite um bocadinho nesta sua fase cão cansado, como já mostrei aqui, está fora de questão pôr em causa a legitimidade de ela andar a mostrar a língua, as mamas, o pipi ou o que quer que lhe apeteça mostrar, como forma de exprimir a sua arte e de matar a figurinha da Disney que lhe estava colada à pele.
Parece-me demasiado um decalque dos percursos de Madonna e de Britney Spears para a coisa me chegar a entusiasmar, mas a sua música não é má e, hoje em dia, a única forma de inovar pelo choque sexual no mundo da pop é mesmo ir subindo a parada. A menina é maior de idade, e embora eu tema que lhe possa vir a acontecer o mesmo que à Britney e ao Bieber, não sou pai dela e ela que faça o que quiser.
Agora, miúdas de oito, nove, dez ou 11 anos a assistir ao concerto da Miley? Não, senhores, não. Eu sei que os promotores do concerto apostam nisso, eu sei que vivemos numa sociedade hiper-sexualizada, eu sei que a Miley quer fingir que é grande ao mesmo tempo que procura manter parte do público Hannah Montana junto de si, como se pode perceber por estas suas ridículas declarações
Embora os pais provavelmente não concordem, eu acho que o meu concerto é educativo para as crianças. Elas vão estar expostas a arte desconhecida para a maior parte das pessoas. As pessoas são ensinadas a ver as coisas a preto e branco, especialmente em cidades pequenas. Estou entusiasmada por levar esta digressão a locais onde arte como esta não seria aceite, onde os miúdos não aprenderiam sobre este tipo diferente de arte.
eu sei isso tudo, mas há limites, caraças. Os miúdos não estão prontos para ver tudo, a partir de qualquer idade, como é óbvio, se não mais vale acabar com as classificações etárias dos espectáculos. Aliás, colocar este concerto para uma idade mínima de seis anos, como aconteceu em Portugal (ver aqui), parece-me, no mínimo, um escândalo.
Chamem-me esquisito, mas eu não queria que um filho ou uma filha minha com menos de 15 ou 16 anos fosse ao Meo Arena ver a Miley a enfiar palmadas no volumoso rabo desta senhora (Amazon Ashley, de sua graça), ou a enfiar-lhe a cabeça no decote, como tem sido prática na digressão.
Nesta fase de desejo assolapado de fazer todas as vontades aos filhinhos, dá-me ideia que muitos pais estão a perder qualquer espécie de critério e a ficar sem uma gotinha de bom-senso. Ou então estão enfiados numa gruta há vários anos e ainda confundem a Miley de 2010 com a de 2014.
Como vocês sabem, nada tenho contra tau-tau no rabinho, nem entre crianças desgovernadas, nem entre relações consensuais. Mas há um tempo para tudo, bolas.
Para quem já tinha saudades de Miley Cyrus (houve aqui alguns posts sobre ela que fizeram sucesso), não poderia deixar de trazer para este blogue o vídeo de que toda a gente no planeta se anda a rir (à hora a que escrevo a coisa já vai perto das 40 milhões de visualizações).
Senhoras e senhores, eis o teledisco de "Wrecking Ball" revisto por Steve Kardynal, e que inclui - como é suposto - cuecas sexys, língua de fora e nudez gratuita.
Agora a menina lembrou-se de acender um charro em palco durante os prémios europeus da MTV:
A adolescência tardia não parece estar a fazer-lhe muito bem, mas o que mais me irrita é alguém poder achar que isto é ser radical, e muita maluco, em 2013. Por favor... ao pé do que Madonna já fez nos anos 80 e 90, Miley Cyrus parece uma avozinha a tentar desesperadamente parecer cool, desafiante e corajosa.
Além de que aquela roupa atroz só pode mesmo entusiasmar adolescentes de 14 anos com problemas de acne e acesso limitado à internet.
Depois de ter tratado um bocadinho mal a menina Miley neste post, há que dizer que o vídeo que ela agora gravou a cappella com os The Roots para o programa Late Night With Jimmy Fallon tem muita, muita pinta (claro que ela não podia resistir e, no final, saca outra vez a língua cá para fora). Ora vejam: