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O bom de escrever coisas num blogue popular, como o Pais de Quatro, é que aparece sempre alguém que percebe mais do que nós sobre quase todos os assuntos. Ainda em relação à questão mulher/esposa (posts anteriores aqui e aqui), um leitor intitulado muito institucionalmente Padrinhos Civis coloca, na caixa de comentários, um ponto de ordem histórico na questão:
A palavra "esposa" refere-se ao instituto dos esponsais, que existia na Idade Média e que antecedia o casamento. Recorria-se aos esponsais para contornar uma lei religiosa, que burocratizava e tornava o casamento dispendioso: assim, celebravam-se os esponsais e os esposos ficavam logo a viver juntos, antes de casarem. Era a esposa e o esposo. Após casamento: marido e mulher. Assim é, ainda nos dias de hoje, no Direito Civil: só existe marido e mulher. A designação "mulher" não tem qualquer caráter perjorativo ou sequer desvalorizador, designa uma realidade, nada mais. Há quem prefira usar a palavra "esposa" e mal não faz, é apenas incorreto.
E depois voltou à carga:
Ainda queria acrescentar mais uma coisa: os esponsais, que se tornaram tão populares na Idade Média a ponto de servirem para evitar a celebração do casamento, têm como origem o Direito Romano, onde consistiam numa "promessa de casamento", chamamos-lhe hoje "noivado". O casamento, tratando-se de um negócio, era antecedido de um "contrato-promessa" entre as partes. Dos esponsais nasce a obrigação, do casamento a união.
Muito obrigado ao Padrinhos Civis pelos profissionalíssimos esclarecimentos.
Nuno Magalhães, no Facebook, e também Storyteller, nos comentários desta blogue, propõem esta regra de aplicação universal, acerca da questão da "mulher ou esposa":
"Esposa" é como se trata a mulher dos outros, e "mulher" é como se trata a nossa. Ou seja, "a minha mulher e a sua esposa são amigas" está correcto, o contrário nunca!
Isto é dito com a veemência de quem já pensou muito no assunto e percebe de protocolo. Aceite-se, pois.
Nos comentários deste post, a leitora Maria João (10.04.2014 às 12:52) coloca esta pergunta, referindo-se a uma palavra que usei no texto:
Por que não "mulher" em vez de "esposa", JMT?
Esse comentário já deu origem a outros comentários, uns a defenderem que preferem "mulher", outros "esposa", e outros questionando se deveria ser "homem" ou "marido".
Por acaso, em relação ao homem e marido, parece-me que a questão é bem mais pacífica. "Meu marido" é uma expressão com a qual ninguém se chateia, e o "meu homem" costuma ser dito até em tom carinhoso e de forma muito prestigiante para o macho em questão.
Quando se chega à "mulher/esposa" é que as teses se dividem. Como é óbvio, eu não tenho nenhuma boa resposta para isso. Posso apenas partilhar com vocês a minha sensibilidade.
Eu gosto da expressão "a minha mulher". Sei que há quem a ache muito crua e abrutalhada, como se a mulher fosse nossa posse e nossa subalterna. Compreendo mal isso, sobretudo porque "meu homem" tem o tal sentido de proximidade e orgulho. Ou seja, é como se uma mulher dizer "o meu homem" fosse algo não só aceitável como romântico, uma espécie de entrega consentida; enquanto um homem dizer "a minha mulher" fosse, para algumas almas mais sensíveis, inaceitavelmente machista. Tendo em conta a incoerência lógica, parece-me mais um preconceito mental (e cultural) do que outra coisa.
Para mais, sendo eu um apreciador do estilo bíblico, o primeiro capítulo do Génesis tem para mim uma ressonância estética muito forte: "E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou." Na minha cabeça, homem e mulher hão-de remeter sempre para aqui, e por isso ser-me-á difícil não apreciar o seu uso, qualquer que seja o contexto.
A expressão "a minha esposa" já me parece mais pomposa, mas uso o termo, ainda assim, tanto para efeitos irónicos, como para evitar a repetição da palavra "mulher", se a tiver de usar muitas vezes num texto. Mas a verdade é que, quando comecei a escrever sobre a família, já há uns bons anos, decidi usar, nem sei bem porquê, o termo "excelentíssima esposa", e ele acabou por pegar. O "excelentíssima" está lá para sublinhar uma certa ironia, já que o uso do adjectivo no superlativo acaba por minar a pomposidade do substantivo. E a Teresa "excelentíssima esposa" ficou. Portanto, neste caso, pode já nem sequer ser bem ironia - é mais carinho, e força do hábito, no sentido positivo da palavra.
Enfim: mulher, esposa, excelentíssima esposa... suponho que o que mais importa não é a qualidade do nome, mas da relação.
Achei curiosa esta notícia surgida no Público sobre a discriminação sexual dos sinais de trânsito. A abordagem é feita pelo lado da tese "porque é que a mulher não está representada nos sinais?", mas a mim sempre me pareceu bem mais interessante o contrário disso, ou seja, o modo como é tratada das poucas vezes em que ela está representada.
Não me chateia que uma figura de calças sirva como representação geral do ser humano. Chateia-me, isso sim, que quando a mulher é representada na sinalética é porque há, invariavelmente, crianças metidas ao barulho. As mulheres nunca são apenas mulheres (a não ser nos sinais clássicos de WC) - são sempre mães. Isso não é apenas apoucar o papel das mães. É também desmerecer o trabalho dos pais. É como meter os fraldários apenas dentro das casas de banho femininas. Então um homem não pode querer mudar o raio da fralda a um filho?
Nem por acaso, quando vinha a regressar de Paris, tirei estas duas fotos muito emblemáticas:
Aeroporto de Lisboa
Em França, pelos vistos, já se admite que seja um homem a mudar as fraldas. Em Portugal, numa casa de banho novinha em folha, na parte acabada de reabilitar do aeroporto da Portela, uma casa de banho familiar ainda tem a mãezinha a tomar conta dos meninos.
Nesta terra, a igualdade de género ainda tem um longo caminho a percorrer. Não pela ausência da representação da mulher nos sinais, lá está, mas sim pela forma preconceituosa como ela continua a ser representada.