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Comentário da Maria C., sempre pertinente:
O JMT defende a liberdade de os filhos tomarem as suas próprias decisões, mas depois julga-os moralmente. E a minha questão é esta: sem saber a história daquela família em concreto, será que podemos julgar?
Uma coisa que a mim me parece desajustada sempre que se fala deste assunto é comparar os idosos às crianças. Posso estar errada, mas para mim são assuntos completamente diferentes. É que as crianças nunca foram outra coisa senão crianças, ao passo que os idosos têm um passado. Ora os afetos que daí resultam podem ser muito distintos. Ou seja, o que eu quero defender, basicamente, é que há nesta questão dois aspetos independentes.
Por um lado, os idosos devem, sim, sempre, ser tratados com toda a dignidade e ter acesso aos cuidados de saúde adequados - daí eu também defender que o Estado deve garantir que todos têm direito a um lar decente. Mas quanto aos afetos dos filhos e da família, não podemos esquecer que eles assentam numa história comum, às vezes feliz e cheia de boas memórias, outras vezes nem por isso.
As pessoas que hoje são idosas foram, há uns anos, pessoas em idade ativa. Nos casos de que falamos, elas foram pais e, possivelmente, avós. E eu acho que não podemos julgar moralmente a decisão dos filhos e dos netos quanto a ter ou não esses idosos em sua casa sem saber que tipo de relações é que eles construíram ao longo dos anos.
Para usar um exemplo extremo: um pai que batia no filho a torto e a direito, que nunca quis saber dos êxitos e das suas dificuldades, etc., depois, em idoso, fica dependente, continuando a ser um chato, egoísta, com mau feitio, que dá cabo do juízo a todos à sua volta. O filho decide pôr o pai num lar, porque não está para ter a sua própria vida enfernizada, dia após dia, por mais dez ou vinte anos. Quem somos nós, JMT, para dizer que o filho, ao tomar esta decisão, está apenas a exercer a sua "triste liberdade de ser um filho da mãe"?
Não somos ninguém, Maria C., como é óbvio. E eu espero que quem lê o PD4 há algum tempo perceba que eu me imponho alguma radicalidade de princípios sem os querer transformar em dogmas absolutos, completamente cegos às situações concretas. Aquilo que eu enunciei no post anterior, naturalmente, é uma regra geral para situações gerais, não uma regra absoluta para todas as situações.
Uma regra, em última análise, que se aplica à minha família, onde os pais sempre se esforçaram pelos seus filhos. Felizmente, diria que essa é a situação mais comum. Na caixa de comentários há exemplos de outros casos extremos em que esta regra geral não faz sentido ser aplicada. Tenho perfeita consciência de que a vida salta sempre por cima das cercas que nós montamos. Mas também sei que é muito mais comum o egoísmo e autocentramento dos filhos do que as excepções que o justificam.
Colocar um pai ou uma mãe num lar transformou-se numa situação banal e normalíssima. Não deveria ser uma situação banal nem normalíssima.
A mesma regra que eu acho que se deveria aplicar aos filhos - a partir do momento que são maiores de idade, deixamos de ter a responsabilidade legal de os sustentar (excepto em casos de deficiência, como é óbvio) -, também se deveria aplicar aos idosos.
Eu, por exemplo, sou filosoficamente anti-lares de terceira idade. Sei que para muita gente não há outra alternativa, que tem mesmo de ser, e o que tem de ser tem muita força. Mas acho que muitas vezes os filhos não se esforçam realmente para abrir os cordões à bolsa, organizarem-se, contratarem empregados para cuidar dos pais, ou, em última análise, levá-los para suas casas. Repito: muitos não podem. Mas também repito: muitos não querem. Por regra, eu acho que os velhos deviam morrer nas suas casas, junto às suas famílias, e não em lares. Espero sinceramente ter forças e disponibilidade para estar à altura deste desejo quando um dia me calhar a mim.
No entanto, e como bem salienta a Teresa A., não me parece que faça sentido um tribunal decidir de que forma devo tratar os meus pais. Um tribunal deve, sim, impedir que os filhos assaltem o património dos pais idosos, como tantas vezes acontece. E o direito sucessório deveria dar mais liberdade a cada um para dispor dos seus bens como lhe aprouver (já conversámos sobre isso no PD4). Mas daí a impor a obrigatoriedade legal de um filho pagar o lar de um pai vai uma grande distância. Não porque eu não ache que moralmente não deva ser assim - mas porque acho que juridicamente não deve ser assim.
O problema já se tem colocado em Portugal, e numa rápida pesquisa encontrei esta notícia de 2012 do jornal i, em que pelos vistos até me descubro a concordar com Marinho e Pinto:
O governo quer abrir o debate para encontrar formas de penalizar os familiares que abandonam idosos em hospitais e lares, mas a ideia já recebeu críticas. O sociólogo Manuel Villaverde Cabral avisa que o Estado “não pode legislar os afectos” e o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto, acusa o governo de tentar “desresponsabilizar-se” das suas obrigações, numa lógica “meramente economicista”.
É um facto. Se o nosso Estado Social não servir para cuidar das crianças e dos idosos, então serve para muito pouco, e anda a gastar os seus recursos nos locais errados.
Eu percebo perfeitamente que muita gente discorde de mim, mas eu sou, de facto, um liberal, tanto em termos pessoais como políticos: o Estado deve abster-se ao máximo de intervir nas liberdades de cada um. Incluindo nessa triste liberdade de se ser um filho da mãe.
Em relação ao meu post anterior sobre várias decisões de tribunais espanhóis que obrigaram pais a pagar a educação dos filhos mesmo sendo maiores de idade (alguns com 30 anos), há dois comentários de leitores que eu gostava de destacar.
Um deles, da simples e nice, já levou pancada com fartura na caixa de comentários, e não é minha atenção fazer o mesmo - só que aquilo que ele diz é importante para aquilo que eu quero dizer:
É a primeira vez, desde que leio este blogue, que não concordo nada com a sua opinião, mas respeito, claro. A diferença entre pais e filhos é que os filhos não escolheram nascer, mas os pais escolheram ter os filhos. Por isso, que remédio têm os pais se não levar com os filhos até ao resto da vida deles. Se não querem isso, simplesmente não façam filhos. Problema resolvido. Se os filhos na idade adulta se tornaram umas bestas, a culpa é dos pais que não souberam dar-lhes a educação que eles mereciam.
O outro comentário é da Teresa A., que alerta para um problema semelhante de dependência, mas no outro extremo da vida:
[Na Alemanha], os filhos são obrigados a pagar os lares de terceira idade ou afins se os pais não tiverem condições para isso. Soa bem, mas, se imaginarem um filho que não tem contacto com o pai/mãe há anos, e que nunca teve ajuda deste(s) - do género de ter de financiar os estudos ele próprio, ter sido deserdado ou posto fora de casa, nunca ter tido ajuda financeira ou outra (por exemplo, tomando conta dos netos) durante a vida, ter construído alguma coisa por si próprio e/ou com ajuda de outras pessoas -, e que é obrigado a usar o seu dinheiro para sustentar a(s) pessoa(s) que nunca o sustentaram a ele, será que cham justo?
O problema do comentário da primeira leitora, para além da desresponsabilização de pessoas maiores de idade, já criticada por outros leitores, é que me parece confundir leis com afectos. E os afectos não se legislam. Nem todos os deveres morais devem traduzir-se em obrigações jurídicas, porque quando assim é estaríamos a permitir uma intromissão absolutamente excessiva na nossa esfera de liberdade individual. Por exemplo, enquanto homem comprometido numa relação amorosa, eu tenho o dever moral de ser fiel à minha companheira - mas os tribunais não me multam se eu for pinar com a vizinha.
Da mesma forma, é óbvio que eu sinto o dever moral (e afectivo) de cuidar dos meus filhos, e às tantas lá terei mesmo (espero que não, espero que não) de lhes estar a dar mesadas até aos 35 anos. Hoje em dia, qualquer pai normal quer que um filho tire um curso, portanto, pelo menos até aos 23 ou 24 anos estará condenado a patrociná-lo. Aliás, os meus pais fizeram isso comigo - eu só comecei a trabalhar depois de terminar o curso, e quando o terminei já tinha 25 anos, porque antes de mudar para Ciências da Comunicação ainda andei dois anos e meio perdido em Engenharia Química.
Mas uma coisa é os pais fazerem isso porque querem - outra, muito diferente, é fazerem isso porque são obrigados. No meu entender, se alguém é maior de idade, é maior de idade para tudo - inclusivamente para se fazer à vida. Ou seja, a um pai não deve ser negado o direito de dizer "já não sustento mais este gajo", mesmo que tenha sido ele a pô-lo no mundo. Essa decisão pode fazer dele um pulha, um pai nojento e um fdp - mas não um alvo de acção judicial, pela simples razão que um tribunal não serve para nos obrigar a ser fixes.
E quanto aos pais idosos e aos lares de terceira idade que a Teresa A. refere? A regra é a mesma. Mas mais sobre isso já a seguir.