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Bom, vamos cá ver se me despacho com este post, porque eu não consigo escrever tão depressa quanto as novas questões que vão surgindo e me dão vontade de contra-argumentar.
Os argumentos da Teresa, já citados aqui, vão a itálico e a negro, e aquilo que eu tenho para dizer vai a redondo.
Podes usar as pílulas e os preservativos que quiseres, desde que não estejas a chamar à tua relação um espelho da relação entre Cristo e a Igreja, ou seja, um sacramento.
Esta é uma entrada da Teresa a pé juntos, mas eu não sou queixinhas. A única coisa que posso garantir é que tenho infinitas falhas no meu casamento, bem mais graves do que o uso de preservativos, até porque nem os uso. Se o espelho está partido, e muitas vezes cai, parte-se, e volta-se a colar, duvido que seja por causa das minhas actividades entre lençóis. Esse é o primeiro problema grave desta questão, que marcou estupidamente a história da Igreja durante toda a metade do século XX: uma obsessão com a moral sexual que a desviou de tanta, mas tanta, coisa mais importante. O papa Francisco parece estar finalmente a corrigir isso e a recentrar prioridades. Abençoado seja ele.
Na sua belíssima encíclica, que classificaste de infeliz, a Igreja condena a contraceção porque ela afasta o amor humano da "imagem e semelhança" do amor divino, que é um amor sem limite, abundante, aberto à vida, verdadeiro. Um católico, ao "casar pela Igreja", isto é, ao receber o sacramento, recebe também a responsabilidade de tornar a sua relação semelhante à relação esponsal entre Cristo e a Igreja. O amor de Cristo não é nunca um amor contraceptivo. Não há volta a dar!
Segundo problema: eu não quero entrar nas questões teológicas acerca da "relação semelhante à relação esponsal entre Cristo e a Igreja" porque se trata, no meu entender, da mera construção de uma arquitectura argumentativa em cima de um preconceito. Pecado, aliás, que atravessa a Igreja ao longo de séculos. Tipo: "eu acho mal o uso de contraceptivos (até porque o sexo nunca foi coisa bem vista, como é óbvio), agora deixa-me cá encontrar um argumentação que justifique isto".
Aos meus olhos, a Humanae Vitae tem essa atitude, do princípio ao fim, daí a ter considerado um momento muito infeliz na história da Igreja - é uma encíclica que tenta justificar um preconceito com uma argumentação com base na Lei Natural, que é aquela coisa que dá absolutamente para tudo. Desde que espremas um bocado a Lei Natural, ela confessa o que quiseres. Afinal, os contraceptivos são uma consequência dessa maravilha natural que é o cérebro humano, que Deus Nosso Senhor nos convida a usar. E os preservativos, quando eram feitos de pele de carneiro, eram super-naturais. Na verdade, não tem fim o cortejo de barbaridades que ao longo da História se apoiou em cima do argumento da "Lei Natural".
Mas olhemos mais em detalhe para a encíclica. A Humanae Vitae deriva do velho ensinamento que "qualquer acto matrimonial deve permanecer aberto à transmissão da vida", não cabendo ao homem separar o "significado unitivo" do "significado criador". E quando nós perguntamos: porquê? A resposta é: "porque está em contradição com o desígnio constitutivo do casamento e com a vontade do Autor da Vida". Que é uma espécide de "porque sim". Porque Deus assim ordena. Mas eu, que sou teimoso, gosto de compreender aquilo que Deus me ordena. Porque, em geral, não tenho quaisquer problemas de compreensão com aquilo que me é ensinado nos Evangelhos. Apenas como algumas coisas que me são ensinadas no Catecismo.
O resultado deste posicionamento unitivo-criador é que a Igreja não se limitou a condenar os contraceptivos na encíclica. As notas pastorais dela derivadas condenam também a fecundação in vitro, e não só por se desperdiçarem potencialmente vidas já geradas (uma preocupação legítima). Tal como condena a laqueação de trompas em qualquer caso, mesmo que uma mulher tenha feito várias cesarianas e uma próxima a coloque em risco de vida. Porque Deus lá sabe o que é melhor para nós.
Só que, ao mesmo tempo, como nenhuma espécie de planeamento era impensável em 1968, permite os "métodos naturais", aos quais o Carlos Duarte já chamou nos comentários, e muito bem, uma "batota canonicamente legalizada". Porque a única diferença entre uns métodos e outros é, precisamente, serem "naturais" e convidarem à "castidade". Ora, se há coisa a que um pai de quatro (já para não falar de seis ou sete) não precisa de ser convidado é a praticar a castidade - com a falta de tempo, o stress e o cansaço não fazemos nós outra coisa, não é?
E deixa-me dizer-te, para encerrar o comentário - não comentarei mais sobre este tema - que mesmo que a Igreja dissesse outra coisa, eu nunca voltaria atrás na minha decisão de não tomar medicação para fazer amor.
Mas ninguém te pede para voltares atrás. Para mim, é como a castidade dos padres: deveria ser uma opção. Daí eu falar num post anterior "que a Igreja deve reduzir as suas imposições àquilo que é o centro irredutível da fé cristã". Naquilo que não é absolutamente central e não tem uma deriva óbvia dos Evangelhos, como é manifestamente o caso, a atitude da Igreja deveria ser de convite, e não de imposição. Tu podes convidar as pessoas a utilizar os métodos naturais, por entenderes que esse é um caminho mais perfeito, mas não deves condená-las por não o fazerem.
Ou seja, eu não tenho qualquer problema com quem utiliza os métodos naturais, se isso os faz mais feliz na sua cama e realizados na sua fé. Mas tenho tudo contra dizerem a um católico que ele não pode chamar ao seu casamento um sacramento só porque utiliza a pílula ou o preservativo. Sorry.
Acho triste um marido permitir à sua esposa tomar medicamentos - a pílula é um medicamento, sabias? - para que ela esteja sempre disponível para o sexo. O ciclo natural da mulher é uma das maiores maravilhas da natureza, e conhecê-lo e respeitá-lo em casal é uma das grandes graças que nós tivemos desde que nos casámos.
Aqui parece-me que cais no velho preconceito de colocares o marido na posição de quem quer sempre o truca-truca e a mulher na posição do "ok, se tu queres, lá tem de ser". Admito perfeitamente que possa ter sido uma formulação que te saiu mal. Só que, infelizmente, é uma formulação derivada da própria encíclica, que tem passagens como esta: "É ainda de recear que o homem, habituando-se ao uso das práticas anticoncepcionais, acabe por perder o respeito pela mulher e, sem se preocupar mais com o equilíbrio físico e psicológico dela, chegue a considerá-la como simples instrumento de prazer egoísta e não mais como a sua companheira, respeitada e amanda." É esta a linguagem empoeirada que tu chamas "belíssima", Teresa?
Mais: penso que, 46 anos depois da Humanae Vitae, podemos dizer que o papa Paulo VI se enganou rendondamente: a pílula fez muito mais pela libertação sexual das mulheres - ou, se quiseres, pela sua "licenciosidade" - do que pela libertação sexual dos homens, que sempre estiveram, aliás, bastante libertos.
A fertilidade feminina não é uma doença, não precisamos de medicação para viver uma vida sexual plena e feliz. Planeando naturalmente a nossa família, os dias deixam de ser todos iguais... Graças a Deus, a minha vida sexual é plena e abundante, os meus filhos também são numerosos, mas ainda não engravidei sem o desejar.
O argumento farmacêutico, de que isto é tudo um complô da indústria, não vou sequer rebater. Mas noto que o preservativo não é um medicamento, e portanto se o problema fosse a medicação, ele tornar-se-ia legítimo. Não é isso que tu defendes. Quanto a nunca teres engravidado sem desejares, fico muito feliz por isso. Como bem sabes, milhões de mulheres em todo o mundo não podem dizer o mesmo. Mas também não vale a pena entrarmos aqui na questão de saber quantos abortos poderiam ter sido evitados se os ensinamentos da Igreja fossem outros.
Embora a Igreja ensine que há males menores que devem ser tolerados para evitar males maiores, o importante neste tema é que eu, e milhões de pessoas como eu, por mais que abram o seu coração e tentem estudar os argumentos da Igreja, não encontram a menor lógica na sua posição em relação aos métodos contraceptivos. Não se trata de ser um mal menor. Trata-se de não ser um mal. E de, muitas vezes, ser até um bem.
A Teresa Power e o João Miranda Santos responderam na caixa de comentários aos meus comentários sobre a encíclica Humanae Vitae, que no final dos anos 60 definiu a doutrina da Igreja em relação às questões do planeamento familiar, proibindo quaisquer métodos anticonceptivos artificiais.
A Teresa utiliza uma argumentação que eu tentarei amanhã analisar em detalhe, e com a qual estou evidentemente em desacordo. Ela prometeu não regressar ao tema porque teme (estará certamente escaldada) a agressividade habitual deste debate - felizmente, não tem estado a cumprir a promessa e tem havido troca de argumentação interessante na caixa de comentários, em particular com o Carlos Duarte. Se puderem, passem por lá.
A posição do João é um pouco mais irritante (sem ofensa), porque me acusa de "incoerência brutal" e garante que eu não percebo nada do assunto. Diz ele:
É demasiado fácil opinar sobre o que não se conhece nem se faz por conhecer.
E mais à frente recorda a minha "responsabilidade social":
Quanto mais não seja a responsabilidade de manter a coerência e inteligência (que costuma ter e me traz por cá)... a menos que queira chegar às 40 mil visualizações.
Porque é que isto é irritante? Ou melhor, triplamente irritante? Porque confunde:
1) discordância com ignorância (eu não sei do que estou a falar);
2) discordância com erro (como não sei do que estou a falar, só posso estar errado);
3) discordância com procura de popularidade (eu quero é "chegar às 40 mil visualizações").
Lamento, João, mas isto é aquilo a que se chama uma posição totalitária. Ou, se preferir, uma posição cavaquista, já que, segundo declarou o nosso sábio presidente numa famosa entrevista televisiva de 2005, “duas pessoas sérias com a mesma informação têm de concordar”.
Não, João, duas pessoas sérias com a mesma informação não têm de concordar. E isto será sempre o melhor ponto de partida possível para qualquer debate.
Como a Teresa Power me conhece um pouco melhor, pelo menos teve a amabilidade de não me acusar de eu não fazer patavina de ideia do que estou a falar. A minha relação com a Igreja, embora atribulada, já tem mais de um quarto de século, e um católico informado, como certamente será o caso do João Miranda Santos, sabe com certeza distinguir um ensinamento de um dogma. E, graças a Deus, o uso que os católicos dão ao latex, tal como o celibato dos padres ou as aparições de Fátima, ainda não pertencem ao campo da dogmática.
Os católicos mais conservadores têm, por vezes, essa tendência chata de dar uns encontrõezinhos nos católicos mais progressistas, sugerindo que quem discorda deles, mesmo em matérias não-dogmáticas, está, de certa forma, desencontrado da comunhão com a Igreja. Eu sei que têm a ajudá-los uma longa tradição, e que os dois papas anteriores a Francisco eram destacados conservadores, não particularmente interessados em inovações teológicas. Mas importa compreender que há uma fidelidade à consciência individual reconhecida pelo Concílio Vaticano II, que não pode ser atropelada pela exigência de um seguidismo acrítico a qualquer documento ou encíclica exarada pelo Vaticano.
Ou seja, o que eu peço a quem discorda de mim é a generosidade de aceitar que as minhas convicções em relação a este tema são tão sérias, pensadas e profundas quanto as convicções de quem acha que não deve utilizar métodos contraceptivos. Se o João Miranda Santos e a Teresa Power entendem que a recusa desses métodos é o caminho mais perfeito para espelhar a relação de Cristo com a Igreja, eu acho - e amanhã tentarei explicar porquê - que a Igreja deve reduzir as suas imposições àquilo que é o centro irredutível da fé cristã, para não cair numa obsessão pela lei que a leva frequentemente para os braços do mesmo farisaísmo que Cristo sempre combateu.
Eu não encontro nada sobre contraceptivos nos Evangelhos - apesar de, como diz a Teresa, eles terem existido desde sempre -, mas encontro muitas coisas sobre o cumprimento de leis que se tornam mais importantes do que a dignidade e as necessidades do Homem. Mas o que eu quero, para já, não é argumentar a favor ou contra a contracepção - é invocar o direito a que os meus argumentos sejam levados a sério, e não interpretados com paternalismo ou acusações de ignorância.
Amanhã regressarei ao tema. Para já, fiquem com a argumentação da Teresa Power:
Podes usar as pílulas e os preservativos que quiseres, desde que não estejas a chamar à tua relação um espelho da relação entre Cristo e a Igreja, ou seja, um sacramento. Na sua belíssima encíclica, que classificaste de infeliz, a Igreja condena a contraceção porque ela afasta o amor humano da "imagem e semelhança" do amor divino, que é um amor sem limite, abundante, aberto à vida, verdadeiro. Um católico, ao "casar pela Igreja", isto é, ao receber o sacramento, recebe também a responsabilidade de tornar a sua relação semelhante à relação esponsal entre Cristo e a Igreja. O amor de Cristo não é nunca um amor contraceptivo. Não há volta a dar!
E deixa-me dizer-te, para encerrar o comentário - não comentarei mais sobre este tema - que mesmo que a Igreja dissesse outra coisa, eu nunca voltaria atrás na minha decisão de não tomar medicação para fazer amor. Acho triste um marido permitir à sua esposa tomar medicamentos - a pílula é um medicamento, sabias? - para que ela esteja sempre disponível para o sexo. O ciclo natural da mulher é uma das maiores maravilhas da natureza, e conhecê-lo e respeitá-lo em casal é uma das grandes graças que nós tivemos desde que nos casámos. A fertilidade feminina não é uma doença, não precisamos de medicação para viver uma vida sexual plena e feliz. Planeando naturalmente a nossa família, os dias deixam de ser todos iguais... Graças a Deus, a minha vida sexual é plena e abundante, os meus filhos também são numerosos, mas ainda não engravidei sem o desejar.