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O problema de quem usa as calças #2

por João Miguel Tavares, em 08.04.14

Sinto necessidade de efectuar um pequeno esclarecimento a propósito deste post, sobretudo após esta partilha da Xaxia (comentário de 08.04.2014 às 00.51):

 

Não poderia estar mais de acordo [com o conteúdo do post]. Casada, com três filhos pequenos, sou eu que trato de tudo. Que decido o que comemos, que digo se as crianças precisam lavar a cabeça, que organizo a roupa que vão vestir, que compro a roupa que vão vestir, que trato dos pagamentos das escolas, que sei as datas dos saraus, das reuniões de pais, das vacinas, que telefono à pediatra quando estão doentes, que decido se vale a pena ligar à pediatra quando estão doentes, que organizo as tarefas domésticas para a empregada fazer, que faço todas as outras que ela não faz. E lamento-me, muito, não só pelo imenso trabalho que tenho, mas pela enorme responsabilidade que carrego (a preocupação cansa mais que estender três máquinas de roupa).

 

Mas há, no meu ponto de vista, duas questões diferentes. É um facto que estou chegada ao ponto em que sinto que só eu é que sei fazer as coisas e tomar as melhores decisões, e que isso tira a vontade a qualquer um de "se chegar à frente". É para ver a febre às três da manhã? É melhor ser eu. É para ir ao supermercado? É melhor ser eu. É para estender a roupa? É melhor ser eu. É para ir falar com o professor? É melhor ser eu. 


Mas também é um facto que com a chegada dos filhos, eu tive que me "chegar à frente". Há uma série de coisas que não podem falhar a partir do momento em que há crianças (há sopa feita? há leite? o bibe está lavado? os sapatos ainda servem? ), e apercebi-me logo após o nascimento da primeira, que se eu não deitasse mãos à obra, algum dia a criança ia ficar sem comida/roupa/remédios, e que os mínimos da organização, arrumação, limpeza, não estariam garantidos (sim, sim, os mínimos que eu estabeleço, certamente muito diferentes dos que seriam estabelecidos pelo pai).

 

Depois é sempre a subir. Cada vez chamamos mais tarefas à nossa responsabilidade, cada vez mais a outra parte se demite (o que convenhamos, dá um jeitaço).

 
A questão que eu coloco...Haverá retorno?

 

Custou-me um pouco ler isto, até porque há outros comentários semelhantes (ver também, por exemplo, Drika a 07.04.2014 às 16:29). Ou seja, há por aí muita mulher demasiado cansada e ligeiramente farta do seu marido. E com boas razões para isso.

 

Portanto, deixem-me só esclarecer um pequeno ponto, mas que me parece essencial: ainda que as tarefas cá em casa sejam desequilibradas, eu não me considero propriamente um pai e um marido ausente, que não os vai levar e buscar à escola, não lhes dá banhos, não lhes faz o pequeno-almoço, não lhes muda as fraldas, não lava a loiça, não os põe a dormir, não os acompanha no estudo e ainda atira as contas da casa para cima da mulher.

 

Por amor de Deus - homens desses já não se usam. E, se se usam, ó minhas senhoras, já é tempo de os pôr no seu lugar, a não ser que estejam casadas com o director de uma multinacional, que consegue compensar a sua ausência doméstica com sete empregadas e um camião de dinheiro.

 

Alguém dizia nos comentários que há muitas mulheres que são mais machistas do que os homens, e receio bem que quem, em 2014, aceita uma vida doméstica de escravatura enquanto ele está no sofá de perna esticada, não está a fazer mais do que contribuir para a manutenção, qual lince da malcata, do macho ibérico edição 1940, que há muito deveria estar extinto.

 

Não era a esse estádio de desenvolvimento do homem ocidental pré-baby boom a que eu me referia.

 

A minha luta caseira é quase sempre a mesma: defender ciosamente o meu quadrado, não deixar que a minha vida familiar me engula por completo, lutar para que o "eu" não seja esmagado pelo "nós", sobretudo porque a excelentíssima esposa é uma espécie de super-heróina da disponibilidade - vai a todas, está sempre pronta para tudo, e por sua vontade eu iria também como atrelado, ou até mesmo arrastado por uma orelha.

 

É a este frenesim que eu - e muitos homens como eu - têm necessidade de resistir. Quando é preciso fazer isto, e isto, e isto, e isto, e isto, e isto, e nós homens só concordamos com três dos seis "isto", porque achamos que os outros três dispensam-se bem, o que muitas vezes acabamos a dizer às esposas é: "então faz tu, e não chateies". E vós, mulheres, quase sempre fazem, claro - porque, ao contrário de nós, acham que tem de ser absolutamente feito.

 

É por isso que trabalham mais. E é a este - e só a este - excesso de trabalho que advém do desejo que as coisas sejam feitas como vocês querem que eu me referi originalmente. Não está aqui em causa defender aquele gajo que não faz nenhum porque acha que o "isto tem de ser feito" nunca é suficientemente relevante para ele.

 

Zero "istos" não existe, ok? Que isso fique bem claro, que eu não quero ser acusado de desejar voltar ao Portugal do senhor Oliveira, bigodudo, pançudo, autoritário e machista. E não é por vocês - é mesmo por mim. Prefiro viver e dormir com uma mulher, e não com uma empregada doméstica.

 

publicado às 13:11


O problema de quem usa as calças

por João Miguel Tavares, em 07.04.14

Aviso por antecipação: este é um post sobre a guerra dos sexos, por isso, minhas senhoras e meus senhores, ponham o capacete.

 

Devido às minhas andanças de promoção do Manual de Sobrevivência para Pais e Maridos, tenho sido frequentemente confrontado, por quem me entrevista, com a questão (velha como o mundo) do desequilíbrio do papel do pai e da mãe dentro do ecossistema doméstico.

 

Ou seja, sim, toda a gente sabe que o pai está mais presente em casa do que antigamente e assume funções impensáveis há 30 ou 40 anos, mas não, os papéis não estão equilibrados, e a mãe continua a trabalhar muito mais dentro de portas, continuando a ser a grande "sacrificada" (um dos adjectivos favoritos das mães de família).

 

Ainda que eu não negue a existência desse desequilíbrio, faço questão de chamar a atenção para um aspecto do problema que tende demasiadas vezes a ser esquecido na discussão: o poder. O poder das mulheres dentro de casa. O poder que elas detêm sobre todos os aspectos da vida doméstica: sobre onde vamos quando saímos, sobre o que os miúdos vestem, sobre o que fazemos no fim-de-semana, sobre que empregada devemos contratar, sobre que móveis devemos comprar, sobre onde vamos passar as férias, sobre tudo e um par de botas.

 

Claro que as famílias têm todas uma identidade própria, e há sempre muitas diferenças e algumas excepções. Por exemplo, cá em casa representamos os papéis tradicionais na relação com os filhos, no sentido em que a mamã é a mais carinhosa e o papá o mais autoritário. Mas eu conheço famílias em que esses papéis estão invertidos: o pai é mais "mãe" e a mãe mais "pai". Aquilo que eu nunca encontrei, contudo, dentro do meu círculo de amigos, mesmo no mais alargado, é um família onde eu pudesse dizer: "é o homem quem manda lá em casa".

 

Mesmo em famílias onde o pai está mais presente e cuida mais dos filhos do que a própria mãe, é a mãe quem manda. Claro que há-de haver casos - há sempre casos para tudo - em que é o homem que usa as calças. Simplesmente, eu não conheço nenhum.

 

Isto não tem nada a ver, como é óbvio, com força bruta ou poder absoluto - não estou a dizer que a mulher consiga pôr o homem a rebolar e a dar a patinha. Estou apenas a dizer que a liderança doméstica da mulher é algo socialmente muito entranhado, e eu raramente vejo nelas disposição para se aliviarem desse fardo.

 

Ou seja, as mulheres querem que o seu trabalho seja mais dividido, mas não querem que as coisas passem a ser feitas de outra maneira.

 

Por exemplo, uma das expressões que mais as irrita é um homem dizer "eu ajudo muito lá em casa". Isto porque - e com razão - a expressão "ajudar" já significa uma acção subalterna, no sentido "eu faço e tu ajudas". Mas, na verdade, é mesmo de ajudar que se trata, já que quando fazemos alguma coisa raramente fazemos mais do que obedecer a ordens.

 

Daí a dificuldade em que o equilíbrio nas tarefas domésticas alguma vez seja atingido - isso implicaria, em última análise, que as mulheres cedessem no seu poder de mandar em casa. E poder é poder - dá gosto tê-lo e nunca é fácil cedê-lo. Eis o que muitas vezes é esquecido no balanço feminino da vida doméstica no século XXI.

 

E pronto, senhoras. Era isto. Podem começar a dizer mal de mim.

 

publicado às 10:12



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