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Ontem fiquei com os quatro em casa enquanto a Teresa estava no trabalho, e às tantas a Carolina apareceu-me com este vídeo, que o Tomás tinha filmado (de pernas para o ar) no tablet da irmã. São só nove segundos, mas é absolutamente irresistível e tinha de o partilhar convosco.
Todos os dias, aí por volta das 8.40, há um maluco - ou seja, eu - que desata aos gritos com os miúdos para porem os casacos e as mochilas às costas e irem para a porta de casa, para nos irmos todos embora. Geralmente, os gritos têm de se fazer ouvir mais do que uma vez, porque há sempre mais uma coisa para fazer, mais um brinquedo para levar para a escola, mais um cabelo para pentear.
É sempre uma grande seca, e acabo invariavelmente por ser eu o primeiro a chegar à porta da rua, onde fico à espera deles. Mas eis que hoje, estava eu a meio da gritaria do costume - "agarrem nas mochilas!, vamos embora!" -, quando de repente olho para baixo e vejo que já alguém se me tinha antecipado. Era a Rita, pois claro:
Super-despachada, agarrou na sua própria mochila, que estava no chão da sala ao pé das mochilas dos irmãos, e decidiu dar o exemplo. Ó p'ra ela com aquele ar de "então, pá, isso é para hoje?". É impressionante como eles já percebem tudo o que dizemos com apenas um ano e meio de idade. Grande filha.
Por esta altura acho que já é seguro afirmar que a Rita vai ser igualzinha às outras Mendonças cá de casa: espertíssima, charmosíssima e teimosíssima. Ela é linda, mas tem cá um ginete... No entanto, só para vocês verem como eu levo a sério os conselhos que me dão neste blogue, estou a pensar nos tempos que se aproximam tentar educá-la sem recurso à palmada.
Claro que a Rita ainda é um bocado nova para nalgadas no rabo (até porque com fralda posta ela confunde palmada com massagem), e só está agora a perceber o que não deve fazer - mas, mesmo assim, ela já é espectacular a adorar fazer aquilo que não pode e a aborrecer-se mortalmente a fazer aquilo que pode. Porquê este vício humano em ser do contra, por amor de Deus?
Tivesse eu mais um filho (cruz credo) e a minha prenda de Natal quando ele tivesse entre um ano e um ano e meio seria uma estante Billy com caixas de CDs vazias para o puto poder mandar abaixo. "Toma, queridinho, aqui tens este pedaço de mobiliário só teu, para poderes destruir à vontade."
Brinquedos para miúdos abaixo de ano e meio, lamento dar a má notícia ao pessoal da Chicco, são a coisa mais inútil que existe. Nenhum dos meus filhos brincou com o que quer que fosse durante mais de 30 segundos. Quando eles são bebés, dá-se-lhes peluches e eles só gostam das etiquetas. Quando são um pouco mais velhos, dá-se-lhes casinhas de madeira, mini-puzzles, aparelhómetros que imitam 79 animais da quinta, e ao fim de meio minuto eles concluem: "OK, foi giro e tal, agora vou só ali deitar abaixo mais uns CDs do meu pai."
Definitivamente, é essa a filosofia de vida da Rita, como se vê pela imagem:
E o que é isto, perguntam vocês? Não, não é uma caixinha de arrumação. Neste caso, a Rita foi particularmente sofisticada: quando cheguei à biblioteca, ela tinha virado do avesso um daqueles degraus de plástico que se compram no IKEA, e enfiado meia colecção de música brasileira lá para dentro. E não me venham dizer, senhoras de coração bondoso, que ela é pequenina e não sabe o que faz. Ai sabe, sabe. Sabe não só o que faz, como sabe perfeitamente que não se pode fazer.
Tentando mais uma vez seguir os conselhos da malta zen e anti-palmada, no outro dia estava em casa de uma amiga, que tinha o azar de ter móveis baixos e coisas valiosas em cima deles, e para me entreter resolvi educar a Rita a não mexer, sem nunca lhe bater nas mãos, como é suposto e mandam as boas almas. Resultado: foram nove vezes a desviá-la daquilo que ela queria apanhar. Eu contei. Nove-9-nove vezes a dizer-lhe que não, ela a ir deitar a mão a um router com uma antena super-gira que se iria partir em dois tempos, eu a agarrar nela e a afastá-la dali, a tentar distraí-la com outra coisa, e 20 segundos depois ela a voltar ao mesmo lugar, com os seus dedinhos demolidores. E repetia-se a operação. Nove vezes.
Dir-me-ão: sim, mas ao fim de nove vezes ela aprendeu, não foi? Lamento, mas não: ao fim de nove vezes estava simplesmente na hora de nos irmos embora. Eu admito, porque estamos na quadra natalícia, que se ficasse três dias na casa da minha amiga, a dormir com a Rita no sofá da sala, ao fim da 238.º vez ela concluísse que não era para mexer. Mas uma pessoa tem mais que fazer, não é?
Quer isto dizer que vou rapidamente voltar à técnica de lhe enfiar uma palmadinha na mão quando ela destruir mais um bibelô? Não. Por enquanto, ainda não, porque há um passo intermédio, que também já usei com os outros: a técnica da cadeirinha do castigo.
Ainda há dias, nos Montes da Senhora, a Rita resolveu espatifar uma moldura de vidro. E eu agarrei numa cadeirinha pequenina que lá há e coloquei-a de castigo, sem se poder levantar até eu lhe dizer (ela tentava, mas eu voltava a pô-la na cadeira, ela chorava um bocadinho, e lá ficava). Ora vejam, que eu tirei uma foto para efeitos didácticos:
Só que depois ela faz os olhinhos que a imagem regista, estão a ver? E com o passar dos minutos tudo se torna mais difícil.
Portanto, seja por falta de tempo, seja para fugir à violenta manipulação psicológica paterna através de olhares de gatinho das botas, temo bem que uma palmada nas mãos continue a ser o método mais eficaz de educação primária, contas feitas à eficácia da medida. Mas vamos ver, vamos ver. Ainda não desisti. Até agora, senhores da brigada anti-palmada, estou a portar-me bem. Podem dar-me os parabéns.
Já que eu tenho estado a trazer para aqui as pequenas delinquências domésticas da minha filha mais nova, tomem lá mais esta:
Pois é, eu passo os meus fins de tarde a gritar com os três irmãos mais velhos da Rita: "FECHEM AS PORTAS DOS QUARTOS E DAS CASAS DE BANHO! QUANTAS VEZES JÁ VOS DISSE ISTO?"
É que basta uma pequena frincha, um espacinho onde ela enfiar o dedo, e esta espécie de ninja entra para dentro de divisões sem ninguém dar conta, deixando atrás de si invariavelmente, tal qual Napoleão, um rasto de caos e destruição. E quando digo "ninguém dar conta" é exactamente isso que quero dizer: eu tive de abrir a luz para tirar a fotografia, mas a Rita estava lá dentro às escuras.
Não sei se ela tem olhos de gato, mas sei de ciência certa que não tem qualquer medo do escuro. Enquanto os irmãos tremem só de pensarem em ficar fechados num quarto com as luzes apagadas, a ninja Rita ainda não foi apresentada aos sustos da escuridão. Ela está-se bem nas tintas para as invenções do senhor Edison.
Ainda por cima, como consegue cheirar rolos de papel higiénico para desenrolar a vários metros de distância, basta um pequeno momento de distracção e as acções da Renova começam logo a subir. Quando, oito metros de folha dupla mais tarde, a Rita é finalmente apanhada, vocês já sabem como é: ela ri-se muito, com aquele ar de "sei perfeitamente que estou a fazer asneira, mas faço na mesma - não é giro?". Não, não é giro.
É fresca, a nossa Rita.
E sabem o melhor? Pouco depois da senhora Rita ter feito aquilo, fui dar com ela assim, mesmo ao lado da prateleira onde se deu o trágico acidente - deitadinha e de pernas para o ar. Reparem no estilo. Apreciem a pose. Há miúdos que fazem asneiras. A Rita é mais sofisticada - ela aprecia as asneiras que faz. Naughty e cool ao mesmo tempo. Tem futuro.
Claro que foi a Rita, minhas senhoras e meus senhores. Mas não só a Rita. Digamos que a Rita foi a autora material, mas a autora moral foi mesmo a excelentíssima esposa. Não se pode dizer que aquilo que aconteceu tenha sido propriamente uma surpresa, tendo em conta que eu - dotado de incríveis capacidades divinatórias - já o havia previsto aqui, quando referi, a propósito de uma certa casinha, "se a Rita lhe deita a mão chama-lhe um figo".
Na verdade, o figo acabou por não ser a casinha, mas a linda escultura branca ao seu lado. Esta é mesmo a última foto que foi tirada à vítima antes do seu homicídio violento às mãos de uma criança de 15 meses, que a empurrou sem piedade de uma prateleira a meio metro de altura.
Mas sabem porque é que a autora moral tem mais culpas no cartório do que a autora material? Porque aqui o excelentíssimo esposo, no dia anterior ao crime, tinha prudentemente tirado daquela prateleira toda a decoração que podem ver na foto, após detectar certas movimentações altamente suspeitas da futura criminosa.
Infelizmente, como tratei de amontoar os bibelôs na prateleira de cima sem grande equilíbrio estético (há que admiti-lo), a excelentíssima esposa achou que, diante daquela salganhada, era preferível enfrentar os perigos ritinhescos a bem da decoração natalícia - e voltou a pôr tudo no lugar de sempre. Até que a tragédia - obviamente - se consumou.
Ó minhas senhoras, mas porque é que vocês não dão mais ouvidos aos vossos queridos, sábios e prudentes maridos? Perante o trágico acontecimento, a Teresa argumentou, dada a ausência de álibis plausíveis, que conhece pais que nunca mudaram nada do sítio nas suas casas e que os seus bebés aprenderam a não mexer com um dedo no que quer que fossse.
Bom, eu já tive mais ou menos essa discussão a propósito das palmadas. Se há pais que conseguem, acho fabuloso. Invejo-os muito. Gostava de aprender com elas. Mas tendo em conta que não sei como se faz essa coisa de amestrar uma criança só com os olhos e torná-la tão bem educada como a rainha de Inglaterra, não vou esperar que tudo corra pelo melhor quando a experiência me diz que há altíssimas probabilidades de correr pelo pior. Chama-se - lá está - prudência.