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Então não se estava mesmo a ver que as embalagens para o molho de soja dos restaurantes japoneses são exactamente iguais às lanchas usadas no Desembarque da Normandia?
Já aqui falámos sobre o interesse que a Segunda Guerra Mundial desperta em todos os membros da família (aqui e aqui, por exemplo), mas o Tomás, em particular, passa a vida a pensar nisso. Ora, há já muito tempo que ele nos pede para lhe arranjarmos um dos barcos usados no dia D (Barco Higgins, baptizado oficialmente de LCVP - Landing Craft Vehicle Personnel). Mas à falta de melhor, e enquanto o barco não chega, resolveu dar corda à imaginação e adoptou as caixinhas do molho de soja para as suas recriações exaustivas do desembarque nas praias da Normandia.
A paixão é tal que até nos tempos livres da escola o Tomás foi enchendo páginas e páginas de desenhos, com paciência de chinês. A sua professora ficou muito impressionada com este desenho em particular, realizado nos 70 anos do desembarque, a 6 de Junho passado. Por isso, acabou por lhe perdoar o pouco rigor na ortografia da legenda que acompanhava o retrato da praia de Omaha.
As soluções propostas pelos leitores deste blogue foram muito imaginativas, e o Gui chamar-lhes-ia um figo se já soubesse ler e viesse aqui tirar ideias para as ditas caixinhas. Mas foi a Storyteller a acertar na mouche - e como prémio gostaria imenso de lhe enviar uma caixinha de molho de soja cheia de soldadinhos ansiosos por desembarcar na sua sala. Esperemos que tenha lá por casa algum Tomás para brincar com ela. Aguardamos a morada no nosso mail.
Vai a família pela rua, os pais e as meninas mais atrás, os dois rapazes lá mais para a frente, quando de repente o Gui começa a chorar:
- [Choradeira]
- O que é que se passa, Gui?
- [Continua a choradeira]
- Acalma-te, Gui, o que é que se passa?
- Foi o Tomás! [Mais um bocadinho de choradeira]
- O que é que o Tomás te fez?
- O Tomás está sempre a dizer que eu sou sexy!
E pronto, são assim os meus dias. Os meus filhos n.º 2 e n.º 3 acham que "ser sexy" é um insulto. Dá Deus nozes a quem não tem dentes.
Devo dizer-vos que fiquei muito impressionado com as reacções a este meu post, tanto no blogue como no Facebook. Perdi as contas às pessoas que disseram: "Eu também tenho um Tomás em casa, embora com outro nome." Afinal, o mundo está cheio de Tomás(es). E um mundo cheio de Tomás(es) é um lugar no qual vale a pena acreditar e ter esperança.
Cada um dos meus filhos tem as suas qualidades e os seus defeitos, e ao Tomás coube um coração do tamanho do mundo. É curioso como essa extraordinária qualidade nos angustia tanto (a mim e à Teresa), porque por causa dela o achamos sempre menos preparado do que os outros filhos para enfrentar as agruras da vida. O nosso esforço em relação à Carolina é tentar convencê-la a pensar mais nos outros e menos em si própria. O nosso esforço em relação ao Tomás é tentar convencê-lo a pensar mais em si próprio e menos no que os outros dizem ou pensam dele.
Claro que as crianças mudam muito, claro que a adolescência os pode virar do avesso, mas eu olho para os nove anos da Carolina e acho que tenho ali uma filha preparada para a vida, no sentido em que ninguém vai andar a passar por cima dela sem que ela se queixe (e muito). Já quando olho para os sete anos do Tomás, tenho medo por antecipação de todas as pessoas que lhe hão-de partir o coração.
É como se a bondade que adoramos ver nos outros ganhasse nos nossos filhos uma pequena sombra negra, relacionada com o facto de o ser bom ser uma forma de entrega que nos deixa, muitas vezes, sem defesas. Adoro que ele seja tão bom. Tenho medo por ele ser tão bom.
Ontem, eu não me estava a sentir nada bem. Alguém me terá transmitido um bicho qualquer que me deixou abananado e mal disposto. Quando os miúdos chegaram a casa, expliquei isso a todos, pedindo para se portarem bem no banho, ao jantar e ao deitar, porque o papá estava cansado e com pouca paciência.
A Carolina e o Gui disseram que sim com a cabeça e portaram-se exactamente como se costumam portar. O Tomás, pouco depois, chegou ao pé de mim com esta folha de papel:
A família, sempre a família. E hoje de manhã, a primeira coisa que me disse ao acordar, foi: "Papá, estás melhor?"
Foi tão bonito aquele "papá, estás melhor?", que certamente o acompanhou durante toda a noite, para ainda estar fresco na sua cabeça ao acordar.
Nenhum dos outros me perguntou tal coisa, nem é suposto perguntarem: os pais são aqueles super-homens que levantam garrafões de água de cinco litros só com uma mão, os põem às cavalitas, e estão sempre disponíveis, em todas as ocasiões. Mas o Tomás é diferente. Preocupa-se com a fragilidade dos outros, é capaz de arrumar ele próprio o quarto de brincar sozinho se vir que eu estou à beira de castigar o Gui por ele ser tão desarrumado, sacrifica-se com a maior das facilidades para que os outros possam ser felizes. É um miúdo extraordinário.
O Tomás é um dos meus maiores orgulhos.
O Tomás é uma das minhas maiores preocupações.
O meu filho Tomás garante-me que isto é uma das formas de fazer contas de somar que ele aprendeu na escola:
Não sei se deva agradecer a Nuno Crato, mas eu olho para isto e apetece-me atribuir imediatamente um Nobel ao Tomás. Até porque de alguma estranha e aracnídea forma os resultados estão certos.
Só não sei se sou eu que tenho um pequeno génio em casa, ou se é o ensino da matemática na segunda classe que está muito mais exigente do que no meu tempo.
Era uma vez um touro e uma águia que foram à floresta brincar. Mas ao fim da tarde quando já estava de noite tiveram de dormir lá.
Mas os omanos [NR: humanos] rapetaram [NR: raptaram] o touro mas a águia incontrolos [NR: encontrou-os] e fes [NR: fez] cocó insima [NR: em cima] dos omanos [NR: humanos] e picouos [NR: picou-os] com as garas [NR: garras].
Fim
Os factos são estes: ontem à tarde houve reunião na escola do Tomás, que por sua vez tinha estado nessa manhã a realizar uma composição livre. O resultado desse momento de notável criação foi aquele que podem verificar em cima e que acabei de transcrever.
Os erros de ortografia ainda são como o outro, porque ele está no início da segunda classe e decidiu usar palavras demasiado caras para os seus conhecimentos actuais de língua portuguesa (além de que, até ver, o Tomás é mais contas). O que eu estive a discutir seriamente com ele foi a questão da temática da sua composição, e o momento escatológico final.
Depois dessa conversa, ficou a promessa de que ninguém (bicho ou omano) voltaria a fazer cocó em cima de quem quer que fosse. Mas provavelmente a culpa não é dele. Eu é que lhe li este livros vezes de mais quando era pequeno: