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Na caixa de comentários a este post, o Dr. Mário Cordeiro mostra-se igualmente um desapaixonado dos TPC:
Os Trabalhos Para Casa (TPC) geram uma enorme controvérsia. As queixas de pais sobre a sobrecarga de exercícios que os filhos trazem para fazer em casa não são novas, mas voltam a estar na ordem do dia. Os estudantes portugueses trabalham horas demais, e que nenhum sindicato deixaria passar tamanho atropelo aos direitos das crianças e jovens sem, pelo menos, um caderno reivindicativo e uma greve geral - com as aulas, as actividades complementares e os trabalhos de casa, chegam a dedicar 40 a 50 horas por semana ao estudo.
No limite, tal como são entendidos por muitos professores e pais, os TPC são uma agressão às crianças, adolescentes e aos seus direitos. Tudo o que se sabe sobre desenvolvimento infantil e sobre técnicas pedagógicas no ensino-aprendizagem mostra que esta prática não tem, em pleno século XXI, razão para existir nos moldes em que é feita.
São vários os motivos que tornam os TPC, repito, da maneira tradicional como são exigidos, quase uma aberração:
• as crianças e adolescentes trabalham muito durante o dia, seja a estudar, seja a brincar, correr, conversar e debater ideias;
• ao fim da tarde, estão carregados de endorfinas e cansados, sobretudo se tiveram outras actividades entre a escola e a casa, como desporto;
• precisam de tempo para gozar o seu espaço regressivo caseiro;
• o que aprenderam no próprio dia ou até nos dias anteriores só será metabolizado nessa noite, pelo que tudo o que seja exigir trabalho sobre assuntos ainda não burilados pelo cérebro é quase sádico - por isso é que usamos a frase "há que dormir sobre o assunto";
• o tempo para estar em família diminui;
• a tolerância dos pais é pouca, ao fim da tarde, e o nível de irritabilidade doméstica sobe, quando deveria descer;
• são os pais que acabam por terminar os TPC, gritando com o filho e achincalhando-o;
• os professores não lêem os TPC, todos os dias;
• não há tempo para ler, reflectir, "não fazer nada", brincar;
• a imagem dos professores fica, muitas vezes, associada a uma imagem de quase sadismo, de desrespeito e de não desejarem o melhor para os alunos.
Assim, e tendo promovido há dez anos, com a Isabel Stilwell e o Eduardo Sá, um dia de greve aos TPC, para comemorar o aniversário da Convenção sobre os Direitos da Criança, acho que os TPC diários são uma aberração, mas que trabalhos de pesquisa ao fim-de-semana, para serem feitos com os pais, ou gastar 15 a 20 minutos a ler (ler apenas, e não estudar) as páginas das matérias do dia, para as repescar para o cérebro as trabalhar durante a noite, isso sim.
Portanto, de uma forma panfletária: "Abaixo os TPC e quem os apoiar!"
Eu tenho alguns problemas com certos exercícios de Português (e às vezes até de Matemática) dos meus filhos. Acho frequentemente que as perguntas estão mal formuladas ou são de interpretação mais do que dúbia.
Ontem, a Carolina estava a fazer uma ficha baseada num conto de João Aguiar, em que uma pergunta parecia de resposta fechada mas que eu só conseguia entender minimamente se ela fosse de resposta aberta, na medida em que não descobri nada no texto original que nos ajudasse a saber quem era o tal "senhor de bata branca". Então disse à Carolina, já sem grande paciência para aquilo: "Olha, inventa." E ela levou a minha sugestão tão à letra que respondeu isto:
"Eu acho que é um médico porque eles estão sempre de bata branca e porque o meu pai disse que era para inventarmos."
Ora embrulha. Suponho que não vá restar nada do meu prestígio pedagógico depois da professora ler o TPC da minha filha. Mas a verdade é que: 1) eu disse aquilo; 2) inventar em vez de deixar uma resposta em branco é um dos melhores conselhos que lhe posso dar na sua vida escolar (já para não falar na própria vida, sem o escolar).
Portanto, para meu grande azar, ficou mesmo assim. Eu passo vergonhas, mas a sinceridade ganhou o dia.