Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]





Uma pergunta que parece saída do Alfred Hitchcock Presents

por João Miguel Tavares, em 23.01.14

A Ana Azevedo deixou há dois dias uma pergunta um bocado tétrica na caixa de comentários deste post. A pergunta é esta:


Quando fala da relação que tinha com a Ritinha quando era uma pequenita só com alguns meses de vida, e diz que ela não era tão intensa como a que tinha com os restantes filhos, abre uma ligeira fresta, e eu vou entrar sem pedir licença, para colocar uma questão que já há muito tinha curiosidade em lhe colocar. Então:


Acha que quando morre um filho que ainda é bebé os pais sofrem menos do que quando ele já tem 5, 6, 7... 10 anos? E quando o filho tem 18, os pais sofrem menos ou mais morrendo ele nesta idade comparativamente se ele morresse aos 7 anos? E quando o filho já é um adulto, é mais dolorosa a sua morte? Gostava mesmo mesmo de ouvir a sua opinião relativamente a este assunto!

 

Francamente, Ana, acho que ninguém consegue responder a uma coisa dessas quando se trata de filhos com 5, 6, 7, 10, 18 ou 36 anos. Todos nós sabemos que a morte de um filho é a maior brutalidade emocional que pode acontecer a um ser humano, e ainda ninguém inventou um medidor de sofrimentos para poder avaliar uma coisa dessas.

 

A única diferença que sublinhei no post original foi na relação com recém-nascidos. É um tema que me interessa, sobretudo para salientar que o amor de um pai por um filho é um processo contínuo, e não um interruptor que se liga no momento do nascimento. Já escrevi sobre isso algumas vezes: quando a Carolina nasceu, os primeiros meses foram bastante difíceis para mim exactamente porque eu tinha na cabeça que o amor paternal seria uma coisa automática - eu olharia para a criança pela primeira vez no hospital e pimba, já estava, amor à primeira vista. Não é assim que acontece, e acho importante sublinhar isso, para que outros pais possam considerá-lo uma coisa normal se passarem pelo mesmo.

 

Aliás, para voltar a assuntos tétricos, mas importantes em termos de cultura geral, porque muito gente desconhece isto, a própria lei penal portuguesa tem essa diferença em conta ao separar o crime de homicídio do crime de infanticídio. Se uma mãe matar o seu filho na sequência de um parto (o caso da legislação brasileira, por exemplo, ainda é mais tolerante, não definindo um período específico para tal acontecer desde que exista uma depressão pós-parto) o crime tem o nome de infanticídio, e a moldura penal nada tem a ver com a de um assassinato.

 

Diz o artigo 136º do Código Penal Português: "Mãe que matar o filho durante ou logo após o parto e estando ainda sob a sua influência perturbadora é punida com pena de prisão de um a cinco anos." Segundo sei, nem sequer há mulheres presas por causa disso, já que a situação costuma ter grandes atenuantes. Note-se que um pai não pode cometer infanticídio. Apenas uma mãe.

 

Em resumo, eu diria - não sei se há estudos sobre isto, imagino que haja, pois há estudos sobre tudo, mas aqui falo apenas de uma constatação pessoal - que demora à volta de um ano, ano e meio, para os nossos laços de afectividade em relação a um bebé se equivalerem aos que temos pelos outros filhos. E isto para o caso dos pais. Para as mães é diferente, porque o bebé sai de dentro delas, e a relação que uma mulher estabelece com um recém-nascido é muito mais próxima do que a de um pai (mas também porque sai de dentro delas, o sentimento de repulsa, quando acontece, pode ser muito maior - daí a questão do infanticídio). Generalizo, como é evidente.

 

E pronto. Depois desta conversa toda, vou ali ver um filme de terror e já volto. Vocês, caros leitores, obrigam-me a escrever sobre as coisas mais estranhas.

 

publicado às 09:12


17 comentários

Sem imagem de perfil

De Anónimo a 24.01.2014 às 10:52

Não querendo ser uma voz discordante, mas já sendo... eu percebo a pergunta colocada.
Sou Mãe de 2, à espera do 3.º. Tive imensos problemas em engravidar no início, foram-me dizendo que seria impossível fazê-lo sem que recorresse a uma barriga de aluguer ou que me colocasse em risco de risco de vida.
Nesse período tive, tenho a certeza, algumas gravidezes que não acusaram sequer positivo no teste, porque não passavam das 4 ou 5 semanas. Nada se fixava no meu útero.
Mas depois de algumas cirurgias, a coisa "remendou-se" (que ainda não está tudo bom...) e a partir daí foi aproveitar enquanto consigo engravidar sem problemas.
No entretanto, entre o meu 1.º e o meu 2.º filho perdi um outro bebé, mas sinceramente, às 6 ou 7 semanas, nem sequer deu para considerar como um filho. Encaro como um engano da natureza, algo estaria profundamente errado com aquele ser em formação, que foi melhor a natureza seguir o seu caminho. Nunca fiquei traumatizada com isso - seria seguramente muito diferente se tal acontecesse numa fase mais avançada da gravidez.
E por esta lógica, também imagino que seja diferente perder um filho no 1.º ano de vida ou mais tarde.
Claro que perder um filho já nascido é absolutamente contra-natura e deve ser (peço a Deus para nunca vir a saber por experiência) a dor mais insuportável e inimaginável de viver.
Mas julgo que será diferente - em termos da nossa capacidade de ultrapassar isso e de regressar lentamente à nossa vida - consoante a idade em que aconteça.
Infelizmente já "assisti" a situações de perda de filhos em idades diferentes (desde recém-nascidos a adultos) e aquela em que eu vi mais profundas marcas foi na minha avó, quando perdeu um filho de 35 anos. Nas outras, a perda foi ultrapassada de forma diferente.
Nalguns destes casos, porém, o que eu notei, foi um enorme sentimento de culpa pela morte das crianças - em 2 deles foram em acidentes em que a negligência dos pais poderia ser questionada - e nessas circunstâncias, sim, penso que o sentimento pode mudar. Não pelo amor que se sentia pelo filho em questão, mas pelo sentimento de culpa com que se sobrevive. Mas isso já será toda uma outra história.
Sem imagem de perfil

De Carla a 27.01.2014 às 10:54

Quem perde um filho (ou mais) tem sempre um sentimento de culpa que mais ninguém percebe. E mesmo sabendo que não era possível prever, mudar algo, alterar o rumo, fazer diferente, essa culpa existe e persiste durante muito tempo.
Só um luto bem feito retira o peso dessa culpa... mas os ses... esses ficam para sempre...

Comentar post




Os livros do pai


Onde o pai fala de assuntos sérios



Arquivo

  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2017
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2016
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2015
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2014
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2013
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2012
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D