Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]





Viver só (e feliz)

por João Miguel Tavares, em 13.10.14

Escreve a Maria F nos comentários a este post:

 

Não querendo aqui fazer apologia do só, também não acho que quem gosta ou opta por viver sozinha seja necessariamente caso de psiquiatra. Eu gosto de viver sozinha, na minha casinha com as minhas coisinhas, gosto de receber amigos, fazer programas, etc., etc. Mas sei que é tudo limitado no tempo porque logo, logo, o meu espaço vai voltar a ser meu.

 

Adoro crianças, passar uma tarde ou um dia com eles, a estragá-los com mimos, a fazer bolachinhas ou crepes ou o que eles quiserem. Mas à noite, os meninos vão para os paizinhos e a Tia regressa ao seu tão abençoado sossego. Felizmente, somos poucos a pensar assim, crianças precisam-se... alguém tem que pagar a minha reforma, que eu já ando há 40 anos a pagar a reforma de alguém... Mas eu acho que é tão bom viver sozinha e ainda assim nunca me sentir só.

 

Fogo, ó Maria F, vá fazer inveja para outro lado. Acho mesmo que são "poucos a pensar assim"? Eu também penso assim, e tenho quatro filhos. Como eu costumo dizer, para ser um gajo feliz bastar-me-ia uma biblioteca e internet de banda larga. A paternidade é um absurdo lógico: em que outra actividade estaríamos dispostos a trabalhar sete dias por semana e, ainda por cima, a pagar por isso?

 

Quando os filhos trabalhavam nos campos, a coisa ainda fazia algum sentido, era um investimento. Aos seis ou sete anos já havia mais uns braços para cavar e apanhar batatas. Hoje em dia, eles só saem de casa aos 23 anos (com sorte), e muitas vezes temos de os sustentar até batermos a bota.

 

Devo dizer-lhe que eu também tenho uma incrível vocação para tio: ver apenas as criancinhas quando me apetecesse, brincar muito com elas, e depois fechar a porta. O meu problema é que eu tive o que a pobre Grace Gelder não teve: embora eu próprio me ache encantador, e seja muito narcisista e solipsista e egoísta, apaixonei-me por uma mulher completamente doida - e, em vez de me casar comigo, casei-me com ela.

 

O resultado é o que se vê: quatro filhos que deram cabo de todos os meus planos de vida. Não há nisto qualquer espécie de racionalidade, e à medida que a sociedade ocidental vai percebendo isso, cada vez tem menos filhos. Pudera. Hoje em dia é tão fácil ser-se feliz sem sair de casa.

 

Serve tudo isto para me solidarizar consigo e dizer que compreendo muito bem a sua posição. Se não fosse uma paixão iniciada em 1992, estou convencido que eu hoje seria um magnífico solteirão, com muito cuidado para manter o património genético só para mim. A culpa é toda da Teresa - e devo dizer que quando os miúdos rebentam com a minha paciência (acontece com frequência), chego a aborrecer-me de gostar imenso dela. Só que - que hei-de eu fazer? - é mais forte do que eu.

 

Em conclusão, eu não tive filhos por desejo de perpetuar os meus pobres genes. Os filhos são o fruto do amor de duas pessoas. Donde, sem essa outra pessoa - sem o Outro, filosoficamente falando -, nada disto existiria. Nem eu teria particular interesse em que existisse. E eu seria como a Maria F: só e feliz.

 

842105.jpg

 Foto de Nuno Ferreira Santos para o Público

publicado às 12:41


14 comentários

Sem imagem de perfil

De Manuela a 13.10.2014 às 13:51

Ao ler este post parece que estou a ler-me a mim. Sou uma pessoa que adora estar sozinha, desde criança. Posso passar tardes inteiras enfiada em casa, a reler revistas antigas, adorando cada minuto. Faço muitas caminhadas, sempre sozinha, porque preciso de essa paz e silêncio. Gosto de estar com os amigos e a família, mas fico contente quando chego a casa, ou eles vão para a sua, e me encontro finalmente sozinha. Na casa dos vinte, não queria saber nada de namorados. Queria conhecer o mundo, e assim fiz. Vivi em cinco países, para onde fui viver e trabalhar completamente SOZINHA. Adorei cada momento, embora muita gente não entendesse o meu modo de vida.

No entanto...aconteceu-me a mesma coisa que a si. Apaixonei-me, e como resultado, nasceu uma família, e como é óbvio, já não vivo sozinha! :) No meu caso só tenho um filho. Como sou a mulher, deve ser mais fácil para mim controlar quantos filhos tenho do que para si ;), não sei... Bom eu pelo menos, como este meu feitio, não faria sentido ter tantos filhos. O meu filho é um amor, bem comportado, calminho, daqueles miudos que passa horas a brincar sozinho...(a genética é tramada) e adoro-o, adoro fazer programas com ele, já não consigo imaginar a minha vida sem ele. Tendo só um filho, é muito fácil continuar a ter os meus momentos a só, só para mim. Com mais filhos, duvido que conseguisse, e ficaria maluca, e ninguém quer uma mãe maluca. Espero que o que eu disse faça sentido, mas sei que muita gente não entende pois não suportam estar sozinhos.
Sem imagem de perfil

De Helena a 13.10.2014 às 18:57

O que a Manuela diz faz sentido, sim. Partilho da sua opinião. Também só tenho um filho. Há algum tempo atrás, o ter tido mais filhos poderia ter-me, eventualmente, completado mais. Não sei, agora, tenho dúvidas. Saboreio a opção que fizemos e sinto-me plena: tempo para o nosso filho e tempo para mim ... gosto de me sentir acompanhada, indiscutivelmente, contudo, gosto muito do que uma "sã solidão" nos pode trazer.
Sem imagem de perfil

De Nicole I. a 14.10.2014 às 09:52

Eu também pensaria que ao ter-se dois filhos igual a ter menos tempo para nós, mas quando vejo pais com filhos de idade próxima vá 2 a 4 anos de diferença o que eu noto é que a mãe no segundo filho tem mais tempo, porque com o primeiro pomos o a brincar com os bonecos sentado na manta ou dentro do parque e vamos a casa de banho ou fazer o almoço e o que acontece é choro porque o bebe ve se sozinho e sente-se abandonado. As mães com mais filhos deixam o segundo no parque com o irmão mais velho a brincar ao lado do parque e o que elas me dizem é consigo fazer tudo e ainda ter tempo para mim, porque os dois se entretem um com o outro...
E testemunhei isso numa colega minha, ela tinha jantares em casa desde do segundo filho ele com um ano ia atras do irmão de 5 anos ver tv e brincar enquanto os pais jantavam socialmente... eu tenho uma filha de um ano e se a meto a ver tv sozinha e vou jantar ela vem atrás... eheh estão me a entender :P

Comentar post


Pág. 2/2




Os livros do pai


Onde o pai fala de assuntos sérios



Arquivo

  1. 2018
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2017
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2016
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2015
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2014
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2013
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2012
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D